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domingo, 3 de dezembro de 2017

O povo que cria a história

Neste tempo de crise - moral, política, cultural - em que vivemos, mais do que nunca precisamos nos lembrar de que "esta é a vitória que vence o mundo: a fé, reconhecer esta Presença", Cristo Jesus.




Por Luigi Giussani

A vida incomum, a novidade de vida, consiste no fato de que um homem busca em tudo o seu destino: busca em tudo Cristo, o seu destino. Tendo-o reconhecido, busca em tudo o seu destino.
Centenas de milhares, milhões de pessoas viveram assim e criaram uma nova civilização. Buscar em tudo o destino: “quer comais, quer bebais”. O mosteiro de Cluny – digo Cluny como exemplo –, com todas as centenas de mulheres e homens que havia ali, era, por acaso, um ambiente a muito custo suportável, árido, sem significado, em nada emotivo? Para aqueles homens e mulheres era a fonte emocionalmente mais rica. E quando escutamos as peças de Hidegard von Bingen, escutamos palavras e música de uma mulher que ficava fechada entre quatro paredes e, se prestamos atenção, dizemos maravilhados: “A nossa civilização é uma outra coisa: a nossa é incivilizada, comparada com aquela!”. Porque ser civilizado não é descobrir novos mecanismos, particularmente adaptados para ir até a Lua ou até Marte, ou então cortar o pelo da barba até a raiz, de modo que por três dias um homem não precise fazer a barba... Civilização não é isso. A civilização está além do mecanismo. Quando alguém diz “eu” ou “tu”, não diz um mecanismo. O que controla todos os mecanismos que temos às costas, não é um mecanismo.
O homem que encontra Jesus, diz-Lhe sim e O segue, entrando nesse relacionamento, torna-se um novo ser, adquire um modo diferente de olhar, de conhecer, de julgar, de enfrentar a realidade, de fazer; adquire um novo amor por tudo o que existe.
“Todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus.” É esse povo que cria a história. Por isso, o filósofo MacIntyre escreve: “Uma reviravolta decisiva, naquela história mais antiga, aconteceu quando homens e mulheres de boa vontade desistiram da tarefa de apoiar o imperium romano e pararam de identificar a continuação da civilização e da comunidade moral com a conservação de tal imperium. A tarefa que, ao invés, se propuseram (frequentemente sem se darem conta do que estavam fazendo) foi a construção de novas formas de comunidade onde a vida moral pudesse ser sustentada, de modo que, seja a civilização, seja a moral, tivessem a possibilidade de sobreviver à época inicial de barbárie” (MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude. Bauru: EDUSC, 2001).
A civilização é tal na medida em que exalta a pessoa segundo a totalidade dos seus fatores, segue-a no seu caminho de reconhecimento e expressão de si e faz da sociedade uma família, um lugar familiar, um povo. Ao passo que hoje em dia não existe mais povo, não existe mais casa, não existe mais família, não existe mais pessoa. Assim, na mentalidade moderna, o sentimento reduzido a sentimentalismo prevalece sobre a razão; ou melhor, o sentimento prevalece sobre o coração, tanto que o coração é identificado com o sentimento. Por isso, o sentimentalismo opera uma dissolução de tudo, de toda concórdia, de toda coesão, de todo organismo, de toda organização.
Ao invés, para quem vive até o fundo a razão, cada criatura, pequena ou grande, é reflexo do Eterno. Então, é abolida a estranheza e nasce um enamoramento maior do que aquele entre um homem e uma mulher. E quando se dirige a Cristo, esse enamoramento assume o calor de certas notas de canto, em que se percebe que não é palavra nem declaração formal. É realmente amor: amor a Ele.
Esta é a vitória que vence o mundo: a fé, reconhecer esta Presença.
Isso era reconhecido com uma sensibilidade e uma intensidade que podem ser percebidas em todos os cantos da abadessa Hildegard von Bingen. Chama-se Igreja o lugar onde a humanidade retoma vida pela paixão de Cristo. A Igreja é este lugar que, como diz o canto Ave, generosa, vibra, reluz de alegria.

Notas
[1] CHIERICI, Sandro; GIAMPAOLO, Silvia (orgs.). Spirto gentil: um invito all’ascolto dela grande musica guidati da Luigi Giussani. Milão: BUR Rizzoli, 2011, p.417-419.Traduzido sem revisão dos autores por Fábio Henrique Viana.

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