Estão em pauta várias questões ligadas à gestão, à
autonomia e à identidade das universidades públicas. A proposta pelo MEC do
Programa Futura-se prevê a autonomia financeira das universidades
através de captação de dinheiro por meio de parcerias
público-privadas, cessão de prédios, lotes e até a criação de fundos para
autonomia financeira. Tem sido feitas várias tentativas dos poderes políticos
federais e estaduais de ingerência nas decisões e na gestão da vida
universitária, tais como a escolha de reitores e gestores. A falta de repasse
das verbas do Ministério da Ciência para o Centro Nacional de Pesquisa (CNPq)
paralisou a concessão de bolsas e auxílios para pesquisa e eventos científicos.
Ligada a esses fatos, se difundiu no Brasil uma
visão negativa das universidades públicas, veiculada principalmente pela
ideologia de Olavo de Carvalho e seus seguidores. Carvalho crítica abusivamente
as universidades, pois para ele seriam meros lugares de aparelhamento
ideológico, especialmente do PT. Eis alguns exemplos de suas postagens:
Universidades, no Brasil,
são, em primeiro lugar, pontos de distribuição de drogas. Em segundo, locais de
suruba. A propaganda comunopetista fica só em terceiro lugar.
(11 de março de 2019).
As universidades
brasileiras não têm mais conserto. Têm de ser, como já estão sendo passadas
para trás pelos cursos particulares mais sérios. Meus próprios alunos já
fundaram alguns desses cursos, que juntos vão formando aos poucos a ÚNICA
universidade brasileira digna desse nome. Continuem fazendo o bom trabalho e
daqui a dez anos um diploma da USP, da PUC ou da UNICAMP -- exceto em algumas
raras áreas técnicas -- só servirá como garantia de desemprego. (6 junho 2016)
O Brasil não tem tradição
universitária. Ele tem, ao contrário, uma tradição das faculdades isoladas,
que, por não poderem exercer esta função mais elevada, acabavam virando centros
de agitação política. O tempo que os estudantes perderam fazendo passeatas e
revoluções foi tempo roubado à formação da elite intelectual nacional. A
desvantagem que o Brasil leva no cenário internacional ocorre simplesmente pelo
despreparo e pela burrice da sua elite política. Em vez de estudar, ficavam
fazendo passeata. Hoje, temos como resultado esse Congresso de analfabetos. (2001, entrevista).
Olavo de Carvalho vive fora do Brasil e pode dar-se
ao luxo de desprezar o espaço universitário público que se constituiu no País;
mas o mesmo não podem fazer os milhões de brasileiros que vivem no País. Todas
as informações acima são falsas e tendenciosas, com uma intenção muito forte de
chamar a atenção sobre si e sobre as suas plataformas político-partidárias. Basta
ver os números de publicações científicas crescentes, o número de doutores
formados e atuantes, e tantos outros indicadores. Do trabalho desenvolvido nas
universidades de tantas formas e maneiras, todos os brasileiros tem-se
beneficiado. Como por exemplo as tecnologias de produção para etanol
desenvolvidas no Brasil pela primeira vez. O melhoramento na produção de
frutas, verduras, carne animal, etc. O desenvolvimento de vacinas, e novos
medicamentos para inúmeras doenças. A grande contribuição que têm dado para o
mundo a literatura, a arte, e a música brasileira, assim como a pesquisa nessas
áreas. Mesmo os que pensam que Carvalho diz a verdade vão ao posto de saúde
tomar vacinas, usam recursos da informática desenvolvidos aqui, buscam
alimentos mais saudáveis desenvolvidos pelos centros de pesquisa em agricultura,
se beneficiam de soluções desenvolvidas contra a degradação urbana e ambiental,
gosam dos benefícios dos avanços em direitos humanos e para superação da
pobreza desenvolvidos no Brasil e na vanguarda de muitos países (só lembrar as
políticas de saúde desenvolvidas para o combate à disseminação da AIDS). Tudo
isto tem a ver com universidade e o trabalho desenvolvido nela.
O desmonte da Universidade, portanto, implicaria
um retrocesso do País cujas graves consequências para as futuras gerações
seriam incalculáveis. Apesar da instituição universitária como tal remontar no
Ocidente aos inícios do primeiro milênio, a universidade pública brasileira é
uma instituição com um passado relativamente curto. Desde a expulsão da
Companhia de Jesus e a extinção de sua rede de ensino no território nacional,
até a criação das primeiras faculdades em 1827 e das primeiras universidades no
início do século XX, os filhos da elite brasileira eram enviados para estudar
no exterior. Dessa forma, grande parte da população só tinha acesso a formas de
ensino doméstico, ou era autodidata, sem estrutura, sem financiamento e sem
condições de oferecer oportunidades de transformação social. A consolidação da
universidade brasileira e o seu fortalecimento cientifico no plano nacional e
internacional pelo apoio de instituições de auxílio a pesquisa e capacitação
docente (CNPq, Fapesp, Fapemig, Faperj, Capes, etc) é, portanto, uma grande
conquista da história recente do País.
A acusação de Carvalho se
aproveita da grave crise estrutural que avassala essas instituições no momento
atual. E, ao invés de oferecer caminhos, opta pela via da destruição
oportunista. Houve evidentemente erros de planejamento quanto à expansão das
universidades públicas e na capacitação docente, houve excesso de gastos em
função também de tentativas de aparelhamento ideológico ou por inaptidão na
gestão; e há uma gravíssima crise econômica no País que evidentemente atinge
também a comunidade universitária. Mas muitos professores estão trabalhando
para encontrar soluções. Em 16 de agosto de 2019, o Reitor da
Unesp Sandro Valentini afirmou:
Nos últimos anos, além
da crise conjuntural que o País atravessa, também começou a se implantar nas
universidades uma crise estrutural (..). Precisamos trabalhar juntos para
encontrar uma solução para essa crise estrutural de financiamento, mas ao invés
de tentar entender o problema e contribuir para a solução, muitos setores da
sociedade preferiram construir uma narrativa negativa contra a autonomia de
gestão e contra as universidades
Assim
como o
reitor da Unicamp, Marcelo Knobel reforçou a necessidade de:
mostrar de maneira mais
efetiva, para os políticos e para a sociedade, o que a universidade de fato é e
o que ela representa. Nós geramos empresas, nós atendemos a população em nossos
hospitais, criamos cultura, inovação, oportunidades, isso sem contar a formação
de recursos humanos que ocupam os cargos de liderança desse País.
Por isso tudo, nós
reiteramos a todos os que amam o Brasil e que desejam ver a melhoria da vida
nesta nação que acompanhem essas preocupações construtivas emitidas pelos
reitores e rechacem as tentativas incendiárias de desqualificação e destruição
do que foi construído pelas universidades brasileiras, por quem não vive aqui e
escolheu outro país.