sábado, 4 de abril de 2020

Jesu dulcis memoria


Com os olhos arregalados de uma criança 1 
  
Na Idade Média, quando se sabia cantar de verdade, o máximo da expressão musical era uma melodia feita de “a_a_a_a” que se chamava jubilus (ainda se conserva em algum nobre museu de Milão, mas os padres não a usam mais), em que todo o canto é uma letra: “a_a_a_a”, segundo um motivo musical que arrasta muito mais que um canto com palavras expressas. De fato, uma razão fascinada tem como sinal extremo os olhos arregalados de uma criança. Quando alguém gosta de verdade de uma pessoa, fica ali, pensando ou olhando, porque se arriscasse alguma palavra poderia diminuir aquela altura. Nesses casos, diante de algo que nos fascina, falar e tentar explicar nos deixa sempre com um gosto amargo na boca, deixa-nos sempre com uma espécie de raiva: quanto mais você diz, menos diz.

Não importa se é conhecida ou não; a música gregoriana é um carisma, é uma modalidade de temperamento, de caráter ao tornar profundamente estética a própria palavra dita a Deus.

Escutando esses cantos, se a pessoa não esteve totalmente distraída – mas mesmo se esteve distraída, porque a potência desse canto a impregnou e a arrastou sem que ela se desse conta –, no final, no Amém, há um sabor de paz desconhecida para o nosso mundo, que ninguém conhece, ninguém!

Poucos rezam como nós podemos rezar. Por isso, quando a oração se torna canto – como normalmente deve tender a se tornar –, alcança uma tensão estética com a qual nenhuma experiência pode competir.

Pensemos, por exemplo, em um dos hinos de vitória mais serenos de toda a história da música, o Pange lingua gloriosi lauream certaminis, da Sexta-feira da Paixão: é um canto de glória, no seu contentamento sublime, cheio de certeza e de poder, de potência e de glória. De glória: Dulce lignum, dulces clavos, dulce pondus sustinet. Como podemos mudar o mundo, carregar o mundo, se não somos permeados por essas dimensões? Seríamos mesquinhos ou ficaríamos como crianças teimosas ou adolescentes presunçosos, que se lamentam a vida toda; e mesmo se, por misericórdia de Deus, as circunstâncias fossem favoráveis a nós, isto poderia atenuar um pouco a expressão do lamento, mas nunca seríamos uma novidade no mundo, a nossa fé não seria uma fé que vence o mundo, nem uma justiça, nem uma libertação.

A fé em Cristo gera em nós um anseio, que é o aspecto gerador da fé de Cristo em nós. A justiça do mundo é a fé e esta fé gera esperança: que venha a glória de Cristo é a esperança do presente, não do amanhã, mas do hoje, de agora. A fé se torna calor: o primeiro calor da fé como juízo é que Cristo vence o mundo.

É necessário tornar todos esses cantos constatáveis pela existência concreta da nossa vida, para que o coração possa vibrar com uma intensidade e uma verdade que, de outra forma, seriam árduas e precárias.

Luigi Giussani

Links para acesso aos cantos : 








[1]                     CHIERICI, Sandro; GIAMPAOLO, Silvia (orgs.). Spirto gentil: um invito all’ascolto dela grande musica guidati da Luigi Giussani. Milão: BUR Rizzoli, 2011, p.397-398.

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