terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O Divino encarnado

Aproximando-nos do Natal e há poucos dias da abertura da Porta Santa, no início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, propomos o Et incarnatus est, da Grande Missa em Dó menor, de W. A. Mozart e o comentário de Luigi Giussani. Pois, como lembrou o Papa Francisco, "depois do pecado de Adão e Eva, Deus não quis deixar a humanidade sozinha e à mercê do mal. Por isso, pensou e quis Maria santa e imaculada no amor, para que Se tornasse a Mãe do Redentor do homem. Perante a gravidade do pecado, Deus responde com a plenitude do perdão. A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, e ninguém pode colocar um limite ao amor de Deus que perdoa" [1].


Luigi Giussani

Esta obra extraordinária de Mozart, que tem o seu cume no canto Et incarnatus est (E se fez carne), é a expressão mais potente e mais convincente, mais simples e maior de um homem que reconhece Cristo [2]. A salvação é uma Presença: esta é a fonte da alegria e a fonte da afetividade do coração católico de Mozart, do seu coração amante de Cristo.
Et incarnatus est: é canto em estado puro, quando toda a intenção do homem se desmancha na limpidez original, na pureza absoluta do olhar que vê e reconhece. Et incarnatus est: é contemplação e pedido ao mesmo tempo, fluxo de paz e de alegria que nasce do maravilhamento do coração quando é posto diante da realização da sua espera, do milagre do cumprimento do seu pedido.
Veio um Homem, um jovem Homem, nascido num certo povoado, num certo lugar do mundo geograficamente determinável: Nazaré. Quando uma pessoa vai à Terra Santa, ali naquele vilarejo, e entra naquele casebre meio escuro, no qual tem a inscrição Verbum caro hic factum est (O Mistério de Deus, aqui, fez-se carne), arrepia-se. É o Homem Jesus de Nazaré, escolhido para ser a humanidade do Verbo, a humanidade de Deus, Deus que é resposta ao coração do homem que criou, resposta exaustiva, superabundante ao grito do coração que criou; grito que reverbera no mistério da Trindade através da presença realizada pelo espírito de um Homem judeu, nascido de uma mulher de dezessete anos.
Deus Se comunicou ao homem na sua carne mortal, no seu tempo e espaço vivido, na sua vida como tempo e espaço vivido, como relacionamento vivido. O Mistério Se mostra na experiência, em algo que sofremos, desejamos, erramos, fazemos direito, em algo que experimentamos; na experiência humana, assim como ela é, toda.
Pudéssemos, também nós, como Mozart, contemplar com a mesma simplicidade e intensidade o início no mundo da história da misericórdia e do perdão, e nos saciar na fonte que é o “sim” de Maria!
Este canto belíssimo nos ajuda a nos recolher num silêncio agradecido, de modo que pode nascer no coração, pode desabrochar no coração a flor do “sim” através do qual o homem pode agir, pode se tornar colaborador do Criador, pode se tornar ainda mais do que colaborador do Criador: amante do Criador. Assim como foi para Nossa Senhora, aquela moça de Nazaré, diante do Menino que tinha nascido dela: um relacionamento sem limites a enchia o coração e o tempo.
Se a intensidade religiosa da música de Mozart – uma genialidade que é dom do Espírito – penetrasse no nosso coração, a nossa vida, com todas as suas preocupações, contradições e cansaço, seria bela como a sua música.

Notas:
[1] FRANCISCO. Misericordiae Vultus: Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Vaticano, 11 de abril de 2015.
[2] CHIERICI, Sandro; GIAMPAOLO, Silvia (org.s). Spirto gentil: um invito all’ascolto dela grande musica guidati da Luigi Giussani. Milão: BUR Rizzoli, 2011, pp. 54-55. Traduzido por Fábio H. Viana.

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