Provavelmente as sensações mais fortes na pessoa que vive intensamente o momento político-econômico sejam de incerteza e desorientação. O que nós, que não somos nem políticos, nem poderosos, podemos fazer? Como e por que as coisas chegaram a este ponto? Para entender o momento atual e ter critérios para nos orientarmos nesta situação, é importante começarmos por entender a nossa experiência e a das pessoas que vivem conosco esta mesma perplexidade. Apesar das muitas diferenças sociais e políticas, todos nós temos no coração as mesmas exigências fundamentais e quando procuramos partir delas sempre poderemos construir um diálogo que supere as barreiras ideológicas.
Na raiz do problema não está apenas uma questão socioeconômica: o problema não é só uma tarifa de ônibus muito cara, um ajuste fiscal que penaliza a população ou as dificuldades conjunturais e estruturais enfrentadas pelos empresários. Tudo isso está aí, mas na origem encontra-se um sentimento de dignidade ultrajada, de desrespeito às exigências de oportunidades, reconhecimento, justiça, liberdade etc., que estão na base da percepção que temos de nós mesmo, de nosso eu. Por causa disto é que reagimos quando, por exemplo, lemos: “‘Se hoje temos o maior espetáculo, agradeça à contravenção’, diz Neguinho da Beija-Flor” [1], negando assim toda a tradição cultural e humana que dá e deu vida ao carnaval carioca. Ou quando lemos que “Empreiteiras da Lava Jato recorrem a Lula e cobram interferência política” [2] evidenciando que não há mais nem mesmo a preocupação em esconder as contravenções cometidas por poder ou dinheiro.
Por isso, as respostas que o governo tem procurado dar, em suas várias instâncias, pecam não pela sua eficiência – que sempre parecerá maior para uns e menor para outros e que só poderá ser comprovada no tempo. Já pecam porque não levam em consideração estas exigências da pessoa, que seriam respondidas (ao menos em parte) com sinais claros de combate imediato à corrupção e colaboração na apuração dos fatos já revelados pelas operações da Polícia Federal, de redução das prerrogativas dos políticos e ocupantes de cargos públicos, do diálogo aberto às proposições da sociedade organizada. Mas o governo tem optado por uma política centralizadora, que não considera a possibilidade de um real protagonismo da sociedade, deixando dúvidas quanto a seu real interesse de combater a corrupção e de fazer mudanças para conciliar ajuste fiscal, políticas sociais e desenvolvimento socioeconômico.
Políticas assistencialistas e práticas populistas podem levar à desmobilização da sociedade ainda mais que a repressão. Esta última pode calar a maioria e impedir a expressão pública do descontentamento, mas deixa ainda mais evidentes aquelas exigências fundamentais, que mais cedo ou mais tarde conseguem se manifestar. A desconsideração e o desrespeito a estas exigências fazem com que os movimentos sociais tendam à violência, o desejo de construção seja perdido, a esperança dê lugar à raiva. É isso que estamos vendo no Brasil de hoje. Uma sociedade aparentemente desmobilizada e cooptada em função do sucesso das políticas sociais e da prosperidade trazida por um surto de crescimento econômico reage até com raiva à crise porque não percebe caminhos de saída nem se sente respeitada em sua dignidade e em suas exigências fundamentais.
Dom Giussani escreveu que “Uma política que não está preocupada com uma posição ideal, mas em ‘vencer’ por intermédio do poder conquistado, é uma política perversa; e é preciso dizer isso aos próprios filhos, mas sobretudo a si mesmos; é preciso gritar isso aos amigos, é preciso gritá-lo nas praças e nas ruas, escrevê-lo nas paredes. Uma política, portanto, que esteja preocupada com uma posição ideal. Isto estabelece uma onda educativa e abre espaço a um respiro maior de liberdade e, portanto, a uma criatividade, a uma imaginação” [3].
É um direito dos cidadãos e dos eleitores reivindicar uma política que esteja preocupada com uma posição ideal!
Francisco Borba Ribeiro Neto
Marina Massimi
Paulo R. A. Pacheco
Notas:
[*] ARNOLD, Bernd. Wahlkamprituale. 1987. Disponível aqui.
[1] AZEVEDO, Lucas. "Se hoje temos o maior espetáculo, agradeça à contravenção", diz Neguinho da Beija-Flor. Estado de São Paulo, de 19 de fevereiro de 2015.
[2] BERGAMASCO, Débora; MATAIS, Andreza. Empreiteiras da Lava Jato recorrem a Lula e cobram interferência política. Estado de São Paulo, do dia 19 de fevereiro de 2015.
[3] GIUSSANI, Luigi. O eu, o poder, as obras. São Paulo: Cidade Nova, 2001, p. 121
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