domingo, 1 de fevereiro de 2015

Respeitar o ambiente e a dignidade da pessoa

Tendo em vista os graves problemas ambientais, energéticos e hídricos que assolam nossas cidades brasileiras, propomos alguns trechos da carta encíclica do Papa Bento XVI, Caritas in veritate (50 – 52), apontando a unidade profunda entre pessoa, sociedade e ambiente.

Por Bento XVI


“É uma contradição pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural,
quando a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si mesmas.”


"Devemos sentir como gravíssimo o dever de entregar a terra às novas gerações num estado tal que também elas possam dignamente habitá-la e continuar a cultivá-la. Isto implica 'o empenho de decidir juntos depois de ter ponderado responsavelmente qual a estrada a percorrer, com o objetivo de reforçar aquela aliança entre ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador de Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho'. [i]
(...)
As modalidades com que o homem trata o ambiente influem sobre as modalidades com que se trata a si mesmo, e vice-versa. Isto chama a sociedade atual a uma séria revisão do seu estilo de vida que, em muitas partes do mundo, pende para o hedonismo e o consumismo, sem olhar aos danos que daí derivam.[ii] É necessária uma real mudança de mentalidade que nos induza a adotar novos estilos de vida, 'nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens para um crescimento comum sejam os elementos que determinam as opções dos consumos, das poupanças e dos investimentos' [iii]. Toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais, assim como a degradação ambiental por sua vez gera insatisfação nas relações sociais. A natureza, especialmente no nosso tempo, está tão integrada nas dinâmicas sociais e culturais que quase já não constitui uma variável independente.
(...)
A Igreja sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também em público. Ao fazê-lo, não tem apenas de defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo. Requer-se uma espécie de ecologia do homem, entendida no justo sentido. De fato, a degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a convivência humana: quando a 'ecologia humana'[iv] é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental. Tal como as virtudes humanas são intercomunicantes, de modo que o enfraquecimento de uma põe em risco também as outras, assim também o sistema ecológico se rege sobre o respeito de um projeto que se refere tanto à sã convivência em sociedade como ao bom relacionamento com a natureza.
(...)
Para preservar a natureza não basta intervir com incentivos ou penalizações econômicas, nem é suficiente uma instrução adequada. Trata-se de instrumentos importantes, mas o problema decisivo é a solidez moral da sociedade em geral. Se não é respeitado o direito à vida e à morte natural, se se torna artificial a concepção, a gestação e o nascimento do homem, se são sacrificados embriões humanos na pesquisa, a consciência comum acaba por perder o conceito de ecologia humana e, com ele, o de ecologia ambiental. É uma contradição pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural, quando a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si mesmas. O livro da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade, do matrimonio, da família, das relações sociais, numa palavra, do desenvolvimento humano integral. Os deveres que temos para com o ambiente estão ligados com os deveres que temos para com a pessoa considerada em si mesma e em relação com os outros; não se podem exigir uns e espezinhar os outros. Esta é uma grave antinomia da mentalidade e do costume atual, que avilta a pessoa, transtorna o ambiente e prejudica a sociedade.
A verdade e o amor que a mesma desvenda não se podem produzir, mas apenas acolher. A sua fonte última não é - nem pode ser - o homem, mas Deus, ou seja, Aquele que é Verdade e Amor. Este princípio é muito importante para a sociedade e para o desenvolvimento, enquanto nem uma nem outro podem ser somente produtos humanos; a própria vocação ao desenvolvimento das pessoas e dos povos não se funda sobre a simples deliberação humana, mas está inscrita num plano que nos precede e constitui para todos nós um dever que há-de ser livremente assumido. Aquilo que nos precede e constitui - o Amor e a Verdade subsistentes - indica-nos o que é o bem e em que consiste a nossa felicidade. E, por conseguinte, aponta-nos o caminho para o verdadeiro desenvolvimento."

* Íntegra da carta encíclica Caritas in veritate, clique aqui.

Notas
[i] BENTO XVI. Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2008, 7: AAS 100 (2008), 41.  
[ii] Cf. JOÃO PAULO II. Mensagem para o Dia Mundial da Paz 1990, 13: AAS 82 (1990), 154-155.
[iii] JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Centesimus annus (1 de maio de 1967), 36: AAS 83 (1991), 838-840.
[iv] Ibid., 38: o.c., 840-841; cf. BENTO XVI. Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2007, 8: Insegnamenti II/2 (2006), 779.

Um comentário:

  1. O texto traz uma semelhança muito grande com um princípio budista chamado: Echo-Funi, que quer dizer: " a inseparabilidade do homem e do ambiente". Nós budistas temos a mesma concepção em relação a esse documento do Papa Bento XVI. Se hoje temos vários problemas climáticos e consequências graves como a escassez de água é porque há em nossa maneira de viver em sociedade um desrespeito à dignidade da vida. Somos todos filhos de uma grande Lei e essa tem que ser respeitada e também ser a base de nossos pensamentos e ações.

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