terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Banco-Móvel e WhatsApp: a genialidade humana que brota dos pobres e excluídos

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Ninguém é tão pobre que não tenha nada para dar, nem tão rico que não tenha nada para receber. Duas experiências recentes dão testemunho da incomensurável genialidade do ser humano que, através do dinamismo da sua liberdade, pode sempre construir um mundo melhor. Por isso, devemos reconhecer a dignidade que cada ser humano possui, em qualquer condição ele se encontre; e por isso também devemos sempre respeitá-lo. A visão moderna – que, aliás, se inspira num sofismo grego – segundo a qual quem é rico tem dignidade e quem é pobre não tem (ou pelo menos não tem no mesmo nível) é falsa, ilusória e, sobretudo, não lê a realidade adequadamente.

Banco é uma facilidade para classe média e alta ou para quem tem uma certa estabilidade de emprego. Muitos países ou localidades pobres onde a maioria da população não tem essa condição não possuem agências bancárias ou caixas eletrônicos, pois os bancos não veem oportunidade de negócios. Desde a Idade Média sabe-se que a utilização de bancos (por isso eles existem!) permite uma melhor administração do dinheiro, economia, planejamento e portanto, um uso mais racional deste, o que gera riqueza. Mas tantos bilhões de pobres no mundo estão excluídos desta facilidade! Recentemente, porém, quenianos inventaram uma forma de resolver isso criando o hoje chamado Banco-Móvel e que já é usado por mais de 93 países [1].
O Quênia é um país extremamente pobre, onde grande parte dos 45 milhões de habitantes vive com menos de 2 dólares/dia. Todo mundo sabe que o surgimento do celular trouxe uma forma de comunicação muito mais democrática e acessível a todas as classes sociais, se comparada ao telefone fixo (que pressupõe que o indivíduo possua uma residência fixa, com endereço etc., o que muitos pobres não têm). Quando os celulares começaram a se espalhar no Quênia, a população começou a comprar créditos pré-pagos e usá-los para comprar coisas, transferindo seus créditos para o vendedor por SMS. A empresa de telefonia percebeu isso e equiparou cada crédito do celular à moeda local. E assim, inventou-se o Banco-Móvel. Uma pesquisa recente do MIT [2] descobriu que esse sistema tirou 194 mil famílias, ou 2% dos quenianos, da pobreza, e que o impacto na melhoria de vida foi maior quando as mulheres administravam as finanças da casa. Os motivos foram as mudanças no modo de usar o dinheiro, pois aumentou a resiliência (capacidade de enfrentar crises financeiras) e a possibilidade de se fazer economia, aumentaram as possibilidades de escolha de trabalho e de consumo, e muitas pessoas, especialmente mulheres, conseguiram montar negócios próprios. Eis os frutos do Banco-Móvel, livre das mazelas e enganações dos juros altíssimos e abusivos dos cartões de crédito!
Há ainda uma outra história surpreendente que está mudando o mundo, inventada por um jovem judeu ucraniano que foi como refugiado para os Estados com a mãe aos 16 anos. Seu nome é Jan Koum. Jan teve uma infância muito pobre. Conta que passava frio e fome na Ucrânia. Pouco após à chegada aos EUA, seu pai, enquanto tentava ir atrás deles, morreu, e após alguns anos sua mãe faleceu de câncer e ele ficou sozinho. Aos 18 anos, Jan aprendeu programação e noções de engenharia de sistemas, comprando manuais em uma loja de livros usados e devolvendo-os depois de lê-los. Em seguida, juntou-se a um grupo de hackers na internet e acabou por bolar sozinho o aplicativo WhatsApp. Fez questão de mantê-lo gratuito e de fácil acesso a todos. Depois, com um amigo imigrante russo, o aperfeiçoou até ser comprado pelo Facebook, em 2014. Mas a história não para aí. Além de ser o aplicativo mais genial de comunicação na internet, tornou-se também o canal de comunicação dos mais de 60 milhões de refugiados que transitam hoje no mundo como foi o caso de Jan. É por ele que eles conseguem contato com suas famílias, ajuda, companhia, e conseguem solidarizar-se em suas necessidades, construindo redes de ajuda. Os refugiados que são hoje os mais pobres entre os pobres, despossuídos de tudo, e até da própria língua e cultura, inventaram a forma mais genial de comunicação gratuita. Terminamos com a frase que Jan gosta de repetir: “quero fazer uma só coisa, mas fazê-la bem”.

Notas:
[*] Imagem extraída daqui.
[1] Bentes, M. (2016). Quênia: como um aplicativo mudou a vida econômica de milhões. Afreaka. Disponível aqui. Acesso em: 04 Jan. 2017.
[2] Suri, T. & Jack, W. (2016). The long-run poverty and gender impacts of Mobile Money. Science, 354(6317), 1288-1292. Disponível aqui. Acesso em 10 Dez. 2016.

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