No próximo domingo, dia 15 de outubro de 2017, serão canonizados os protagonistas de dois martírios coletivos acontecidos no Brasil no período da invasão holandesa, no ao de 1645, nas localidades de Cunhaú e Uruaçu (atual Rio Grande do Norte).
Os eventos foram relatados por diversos documentos históricos, dentre eles a relação do Capitão Lopo Curado aos Governadores de Pernambuco, apresentada no livro de frei Manuel Calado, o Valoroso Lucideno, publicado em Lisboa em 1648 e reimpresso em 1987 pela Coleção Reconquista do Brasil das Editoras EDUSP e Itatiaia. A conspiração contra os moradores católicos foi fruto da associação dos holandeses com algumas nações indígenas, especialmente Tapuias e Potiguaras, elas também hostis.
O primeiro evento ocorreu no Engenho de Cunhaú, importante polo econômico da Capitania do Rio Grande onde vivia uma pequena e fervorosa comunidade composta por 70 pessoas sob os cuidados do Padre André de Soveral. No dia 15 de julho chegou a Cunhaú Jacó Rabe, mercenário conhecido por seus saques e desmandos, gozando do apoio dos holandeses, juntamente com vários índios (tapuias e potiguares, chefiados por Jerera) e soldados holandeses. Com a justificativa de estar em missão oficial pelo Supremo Conselho Holandês do Recife, convocou a população para ouvir as ordens do Conselho após a missa dominical no dia seguinte. Durante a Santa Missa, após a consagração, a um sinal de Jacó Rabe, foram fechadas todas as portas da igreja e os fiéis em oração, tomados de surpresa e completamente indefesos, foram covardemente atacados e mortos pelos flamengos com a ajuda dos tapuias e dos potiguares. Dentre eles, foram mortos o Padre André de Soveral e o leigo Domingos de Carvalho.
A notícia do massacre de Cunhaú espalhou-se por todo o Rio Grande e capitanias vizinhas. Mesmo suspeitando da conivência do governo holandês com o bando de Rabe, alguns moradores influentes pediram asilo ao comandante da Fortaleza dos Reis Magos em Natal. Lá se abrigaram o vigário Padre Ambrósio Francisco Ferro, Antônio Vilela, o Moço, Francisco de Bastos, Diogo Pereira e José do Porto. Os outros moradores, não podendo ficar no forte, construíram uma fortificação de defesa na pequena cidade de Potengi (a 25 km de Fortaleza). Após atravessar várias localidades do Rio Grande e da Paraíba, Rabe chegou a Potengi, e se deparou com a resistência armada dos fortificados. A resistência durou 16 dias, até que foi derrotada com a chegada de duas peças de artilharia vindas da Fortaleza dos Reis Magos. Os moradores depuseram as armas e entregaram-se, sob a promessa de que teriam salva suas vidas e propriedades. Cinco reféns foram levados à fortaleza: Estêvão Machado de Miranda, Francisco Mendes Pereira, Vicente de Souza Pereira, João da Silveira e Simão Correia. Outros ficaram presos em Potengi.
Dia 2 de outubro chegaram ordens de Recife mandando matar todos os moradores acima de dez anos de idade, o que foi feito no dia seguinte, 3 de outubro. Os holandeses decidiram eliminar primeiro os 12 da fortaleza, por serem pessoas influentes, servindo de exemplo: entre eles estava o vigário. Mandaram-nos sair da fortaleza com a promessa de que estariam protegidos dos índios que já haviam voltado para o sertão. Foram embarcados e levados rio acima para o porto de Uruaçu. Lá os esperava o chefe indígena potiguar Antônio Paraopaba e um pelotão armado de duzentos índios que os mataram com grande crueldade.
Um deles, Mateus Moreira, estando ainda vivo, abriram-lhe as costas e foi-lhe arrancado o coração. Suas últimas palavras, foram: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. Foram massacrados também o Padre Ambrósio Francisco Ferro e Mateus Moreira em Uruaçu; e vários pais e mães de família executados diante dos olhos dos filhos. Algumas crianças também foram mortas.
Comenta o narrador:
Diversos martírios deram neste dia ao corpo dos mártires, e houve nele muitos milagres patentes e vistos, que quis Deus mostrar que os tais iam gozar da bem-aventurança. Sucedeu pois que aquela noite que padeceram se ouvisse uma musica no Céu sobre a fortaleza do Rio grande, e ouvindo-a a mulher de um Flamengo chamado Gesman, governador das armas deste Arrecife, se levantou chamando por algumas mulheres, e também por suas escravas para que ouvissem a música que ia no Céu, o qual testificou a sobredita: certo presságio que foram os Anjos que acompanhavam as almas destes mártires para o Céu. (...) Naquela mesma noite houve grande cheiro de incenso na dita cerca, que durou muito tempo e foi patente a todos, sem se saber donde o dito cheiro procedia senão do Céu. (Calado, 1987, p. 129).
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