Como último trecho dessa série de posts sobre o ensino religioso, trazemos como contribuição um trecho do voto do Ministro Edson Fachin que valoriza especialmente a garantia à liberdade:
Há (...) na garantia da gestão democrática do ensino público (art. 206, VI, da CRFB), possibilidade para o Estado (União, Estados e Municípios) deliberar sobre a forma como será ministrado o ensino religioso. Por evidente, tal conclusão não permite que se deixe de atender aos demais objetivos da educação, tal como são fixados pela Constituição e pelos tratados de direitos humanos. Assim, não há como deixar de reconhecer que, conquanto possa ser confessional, o ensino religioso não pode ser obrigatório (art. 210, § 1º, da CRFB). Além disso, porque se fundamenta na própria pluralidade democrática, não pode o ensino, confessional, interconfessional ou não confessional, tornar-se proselitista ou desrespeitar a diversidade cultural religiosa do Brasil, o que abrange também as religiões confessionais que se afirmem apenas pelos usos, costumes e tradições. Por tudo isso, ao invés de afrontar, a norma constante dos parágrafos primeiro e segundo e do caput do art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vai ao encontro do texto constitucional: “Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.”
No mesmo sentido, nada há no tratado internacional objeto da presente impugnação que acabe por impor ou de qualquer forma constranger a essência da liberdade religiosa, expressa na garantia da liberdade e da pluralidade, pois limita-se a prever que “o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”. (...). Não há dúvidas de que o conceito de laicidade, expresso no art. 19, I, da CRFB, e iluminado pelo direito à liberdade de religião, tal como aqui interpretado, guarda diferenças em relação ao que alguns precedentes desta Corte têm assentado. Nos termos em que tradicionalmente formulado o conceito de laicidade, talvez fosse possível aduzir que a interpretação aqui defendida acaba por desvelar uma possível religiosidade no âmbito do direito à educação. Nada obstante, o esforço argumentativo aqui realizado visa não apenas afastar práticas inconstitucionais de exclusão que, não raro, são autorizadas sob a justificativa da laicidade, mas também permitir a afirmação de direitos das minorias religiosas: “talvez uma religiosidade assumida nos conduza a práticas mais inclusivas. (...). Saber que práticas são essas e se as mesmas poderão fazer frente à tradição católica, sopesando santos, caboclos e orixás, permitindo uma convivência baseada no respeito e igual consideração a todos dentro de uma realidade multicultural é resposta que fica legada ao aprendizado social, à história escrita de modo intersubjetivamente responsável”. (PINHEIRO, Douglas Antônio Rocha. Direito, Estado e Religião: a constituinte de 1987/1988 e a (re)construção da identidade religiosa do sujeito constitucional brasileiro. Dissertação de mestrado: Universidade de Brasília, 2008, p. 122). [1]
Ao concluir esta discussão, gostaríamos de citar um texto de Luigi Giussani, onde nos parece ficar claro o horizonte em que deve ser colocada a discussão acerca deste tema:
A humanidade de uma sociedade, a sua civilização, é determinada pela ajuda que a sua educação oferece para manter escancarada a insaciável abertura à verdade, através de todas as comodidades e interesses que prematuramente desejariam fecha-la. [2]
O ensino religioso contribui para manter aberta nas jovens gerações a exigência da verdade, o incansável dinamismo da razão que busca o significado de tudo, o nexo entre cada coisa e o horizonte total, que, neste movimento, se abre ao Mistério.
Nota:
[1] FACHIN, Edson. Voto-Vogal da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.439. Distrito Federal, 30 de agosto de 2017. Disponível em <http:// www.stf.jus.br/ arquivo/ cms/ noticiaNoticiaStf/ anexo/ VotoFachinEnsinoReligioso.pdf>. Acesso em 31 ago 2017.
[2] GIUSSANI, Luigi. O senso religioso. Brasília: Universa, 2011, p. 159.
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