sábado, 10 de fevereiro de 2018

Peregrinando para Casa


No último dia 5 de fevereiro de 2018, respondendo ao interesse dos leitores do jornal italiano Corriere della Sera por sua saúde, o Papa Emérito Bento XVI escreveu uma resposta que foi publicada naquele jornal, no dia seguinte, na coluna do escrito Massimo Franco. Publicamos a tradução da matéria e da carta na sua íntegra.

A carta [1], "Urgente à mão", chegou ontem pela manhã na sede romana do Corriere della Sera, vinda do "Monastero Mater Ecclesiae, V-120 Città del Vaticano": a ermida dentro dos Sagrados Muros para onde o Papa Emérito Bento XVI se retirou desde seu afastamento, há exatos 5 anos. Mas, parecia chegada de um outro mundo, muito mais distante do que os poucos quilômetros que marcam a distância física daquele lugar. Talvez porque o envelope contivesse um papelzinho dobrado, e dentro dele um outro envelope selado, com uma mensagem de nove linhas. Mas, sobretudo porque transmitia palavras fortes, verdadeiras, não formais: um gesto de delicada atenção para com aqueles que, ultimamente, perguntavam, cada vez mais frequentemente, como estava "Papa Bento"; como estaria vivendo aquilo que ele mesmo chama, no texto, "este último período da minha vida".

Alguns dias atrás, através de um canal reservado, havíamos dirigido a pergunta a ele, confiando de receber uma resposta. Depois de cinco anos nos quais havia praticamente desaparecido do horizonte público, encontrando poucos amigos, e diminuindo até mesmo os passeios nos jardins vaticanos, com a ajuda de um andador, talvez até mesmo pensasse ter sido esquecido. Não sabia que a sua figura permanece muito presente, ainda com o fato de vivermos um período no qual "dois Papas" convivem, algo não exatamente ortodoxo, mas já habitual. Mas, pelo contrário, o mistério de seus dias sem presença pública, com imagens desfocadas e aparições cada vez mais raras em alguma cerimônia para a qual era convidado por Francisco, mais afinaram e ao mesmo tempo agigantaram o seu perfil.
Bento "está aí", pairou sem querer. Ao invés, talvez tenha ficado enraizado na memória da opinião pública exatamente porque buscou dissolver-se num limbo existencial, para deixar a cena para o seu sucessor: aquele cardeal Jorge Mario Bergoglio "que tem a caligrafia menor do que a minha", notou, uma vez Joseph Ratzinger. Mas, a sua, a bico de pena, na parte de baixo da carta, é também minúscula: quase como se encolhesse junto com as suas energias físicas, evidenciando a dificuldade até mesmo para escrever. Contam que, privadamente, diga com uma ponta de tristeza: não consegue mais dedicar tempo suficiente para construir aqueles textos de grande fineza teológica que marcaram, por anos, o percurso da Igreja Católica. Nas suas palavras, que são um agradecimento e, ao mesmo tempo, quase uma despedida, se pode perceber mais do que uma insinuação.
Aquela referência ao "lento esmorecer das forças físicas", a confissão de estar "interiormente em peregrinação para Casa", com c maiúsculo, e o "obrigado" aos "tantos leitores" do Corriere que não cessão de perguntar por ele: são poucas palavras medidas, que porém transmitem uma grande profundidade. Talvez, na admiração e numa ponta de nostalgia por Bento XVI que, aqui e ali, se  percebe em alguns setores do mundo católico, se adivinha o trauma não completamente digerido do seu afastamento, no dia 11 de fevereiro de 2013: uma virada de época. Mas, há também o reconhecimento de uma conduta exemplar entre ele e Papa Francisco nestes cinco anos. Uma convivência não regulada por nenhuma lei; confiada apenas ao caráter destes dois personagens tão diferentes, não obstante uma ênfase, às vezes um tanto artificial, na continuidade entre seus pontificados. 
Não era óbvio que "dois Papas", no Vaticano, conseguissem manter uma personalidade tão distinta, sem, por isso, se sobreporem um ao outro ou, pior, transmitir mensagens de divisão. Se, por acaso, existissem diferenças, permaneceram um segredo guardado entre eles: como se ambos soubessem que o mais importante é buscar manter unida uma Igreja tocada por mil tensões. É um sinal de força espiritual e de humildade, que sublima quando, dirigido aos que continuam a se interessar por ele, saúda-os com um tom quase familiar: "somente posso agradecer".

Segue a carta original e, abaixo, a tradução.

[2]

Caro D.r Franco,
fiquei comovido por tantos leitores do jornal desejarem conhecer como eu transcorro este último período de minha vida. Posso apenas dizer a este respeito que, no lento esmorecer das forças físicas, interiormente, estou em peregrinação para Casa. Para mim, é uma grande graça ser circundado, neste último pedaço de caminho, às vezes fadigante, por um amor e uma bondade tais que eu nunca imaginaria. Nesse sentido, considero também a pergunta de seus leitores como uma companhia nesse trajeto. Por isto, somente posso agradecer, assegurando, de minha parte e para todos, a minha oração.  Saudações cordiais. Benedictus XVI Papa Emeritus. [3]

Notas:
[1] Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
[2] Reprodução da carta, publicada em: https://goo.gl/A6b4eT.
[3] FRANCO, Massimo. Benedetto XVI e la lettera al Corriere: "Sono in pellegrinaggio verso Casa". Corriere della Sera, 6 de fevereiro de 2018. Disponível em: <https://goo.gl/A6b4eT>. Acesso em 6 fev. 2018. Traduzida por Marina Massimi.

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