quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Uma esperança que não morre





  
Por Luigi Giussani

Wolfgang Amadeus Mozart
Concerto para piano e orquestra n. 20, K 466 1


Estuda-se bem aquela música que entra como por osmose na nossa alma e não aquela que se estuda com a batuta (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó). Que caminho infinito, que caminho longo, que trajeto sem fim, cheio de pedras, deve percorrer 99% das pessoas do mundo para chegar à ternura da inflexão musical do viver – e, assim, da percepção de si e dos relacionamentos –, da qual o Concerto n. 20 para piano, de Mozart, é o maior exemplo que temos na história.

Mas de onde nasce esse sentimento de si e da existência tão ardente, vivo e, ao mesmo tempo, tão comovido?

Experimentalmente, é mesmo verdade que a atividade original do homem é reconhecer e constatar. Não há nada mais intenso do que a atividade de alguém que, com os olhos arregalados, olha um quadro ou um rosto que lhe agrada; não há nada mais entusiasmante, mais concentrado, mais vibrante, quer dizer, mais ativo. Creio que a criação artística não seja mais do que isso. Aliás, a criação artística – a meu ver – depende disso, é uma trabalhosa resultante disso, porque a moralidade é “tender para”. “Tender para” quer dizer afirmar um Tu, é a suprema gratuidade que faz abraçar tudo.

Reduzir-se a ouvir a proibição ou a respeitar uma lei sem tender a surpreender o pressentimento da posse de algo maior é como o solfejo. Quando, ao invés, se vislumbra o segundo nível, como neste concerto de Mozart… é uma coisa do outro mundo. Você se torna melhor. Assim, mesmo na dramaticidade, a certeza e a letícia, a alegria e a paz constituem o sentimento predominante que o homem tem de si.

A Beleza é o nexo entre o presente e o eterno, por isso o presente é sinal do eterno, é o início do eterno, é experiência inicial do eterno, por isso o gosto da vida começa a palpitar com certa nota inconfundível, a nota do permanente: a justiça, o amor. Em uma palavra: a exigência de satisfação total, a exigência de realização do eu (é somente por causa de uma presença alegre que o nosso coração se torna, por sua vez, alegre: por nossa conta, a felicidade não pode florescer em nós). É esta a tensão interior que vibra na melodia tão fascinante, tão comovente, tão humana e tão divina, porque canta uma esperança que não morre.


Nota : [1]  CHIERICI, Sandro; GIAMPAOLO, Silvia (orgs.). Spirto gentil: um invito all’ascolto dela grande musica guidati da Luigi Giussani. Milão: BUR Rizzoli, 2011, p.63-64. Traduzido sem revisão dos autores por Fábio Henrique Viana.

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