quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Sempre avante: que não se anestesie o nosso coração!


Na última terça-feira, dia 23 de setembro, o Papa Francisco, em Missa celebrada no Santuário Nacional da Imaculada Conceição, em Washington, canonizou o Beato Padre Junípero Serra. Propomos alguns trechos da homilia do Santo Padre.


“Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito, alegrai-vos!” (Fl 4,4). Um convite que toca fortemente a nossa vida. Alegrai-vos – diz-nos São Paulo, com a força quase de uma ordem. Um convite no qual ecoa o desejo que todos experimentemos de uma vida plena, uma vida que tenha sentido, uma vida jubilosa. É como se Paulo tivesse a capacidade de ouvir cada um dos nossos corações e desse voz àquilo que sentimos, àquilo que vivemos. Há algo dentro de nós que nos convida à alegria, não nos contentando com paliativos que sempre procuram tranquilizar-nos.
Mas, por outro lado, vivemos as tensões da vida diária. Muitas são as situações que parecem pôr em dúvida este convite. A dinâmica, a que muitas vezes estamos sujeitos, parece levar-nos a uma resignação triste que pouco a pouco se vai transformando num hábito com uma consequência letal: anestesiar o coração.
Não queremos que a resignação seja o motor da nossa vida; ou será que queremos? Não queremos que a rotina se apodere da nossa vida; ou sim? Por isso podemos questionar-nos: como proceder para que não se anestesie o nosso coração? Como aprofundar a alegria do Evangelho nas várias situações da nossa vida?
Jesus disse aos discípulos de então e repete-o a nós: Ide! Anunciai! A alegria do Evangelho só se experimenta, conhece e vive, dando-a, dando-se. (...)
A alegria, o cristão experimenta-a na missão: ide ter com os povos de todas as nações. (...)
Jesus vos envia a todas as nações, a todos os povos. E, neste “todos” de há dois mil anos, estávamos incluídos também nós. Jesus não dá uma lista seletiva com aqueles a quem se deve ir e a quem não ir, com aqueles que são dignos, ou não, de receber a Sua mensagem e a Sua presença. Pelo contrário, abraçou sempre a vida tal como Lhe aparecia: com cara de tristeza, fome, doença, pecado; com cara de ferimentos, sede, cansaço; com cara de dúvidas e de fazer piedade. Longe de esperar uma vida embelezada, decorada, maquiada, abraçou-a como a encontrava; mesmo que fosse uma vida que muitas vezes se apresentava arruinada, suja, destroçada. A todos – disse Jesus – a todos, ide e anunciai; a toda esta vida, tal como é e não como gostaríamos que fosse: ide e abraçai no Meu nome. Ide pelas encruzilhadas dos caminhos, ide... anunciar, sem medo, sem preconceitos, sem superioridade nem purismos; a todos aqueles que perderam a alegria de viver, ide anunciar o abraço misericordioso do Pai. Ide ter com aqueles que vivem com o peso da tristeza, do fracasso, da sensação de uma vida destroçada, e anunciai a loucura de um Pai que procura ungi-los com o óleo da esperança, da salvação. Ide anunciar que os erros, as ilusões enganadoras, as incompreensões não têm a última palavra na vida de uma pessoa. Ide com o óleo que cura as feridas e restabelece o coração.
A missão nunca nasce de um projeto perfeitamente elaborado ou de um manual bem estruturado e programado; a missão nasce sempre de uma vida que se sentiu procurada e curada, encontrada e perdoada. A missão nasce de se fazer uma, duas e mais vezes a experiência da unção misericordiosa de Deus.
A Igreja, o povo santo de Deus, sabe percorrer as estradas poeirentas da história, frequentemente permeadas por conflitos, injustiças e violência, para ir encontrar os seus filhos e irmãos. O santo povo fiel de Deus não teme o erro; teme o fechamento, a cristalização em elite, o agarrar-se às próprias seguranças. Sabe que o fechamento, nas suas múltiplas formas, é a causa de tantas resignações. (...)
E hoje recordamos uma daquelas testemunhas que souberam testemunhar nestas terras a alegria do Evangelho: Padre Junípero Serra. Soube viver aquilo que é “a Igreja em saída”, esta Igreja que sabe sair e ir pelas estradas, para partilhar a ternura reconciliadora de Deus. Soube deixar a sua terra, os seus costumes, teve a coragem de abrir sendas, soube ir ao encontro de muitos aprendendo a respeitar os seus costumes e as suas características.
Aprendeu a gerar e acompanhar a vida de Deus nos rostos daqueles que encontrava, tornando-os seus irmãos. Junípero procurou defender a dignidade da comunidade nativa, protegendo-a de todos aqueles que abusaram dela; abusos que hoje continuam a encher-nos de pesar, especialmente pela dor que provocam na vida de tantas pessoas.
Escolheu um lema que inspirou os seus passos e plasmou a sua vida: “Sempre avante”. Soube-o dizer, mas sobretudo viver. Esta foi a maneira que Junípero encontrou para viver a alegria do Evangelho, para que não se anestesiasse o seu coração. Foi sempre avante, porque o Senhor espera; sempre avante, porque o irmão espera; sempre avante por tudo aquilo que ainda tinha para viver; foi sempre avante. Como ele então, possamos também nós hoje dizer: sempre avante.

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