sexta-feira, 3 de março de 2017

O sentido da Quaresma


Por Luigi Giussani

Vem o tempo em que a Palavra, o discurso cristão deve nascer do nosso olhar pessoal para Jesus Cristo. De fato, Jesus é a palavra que está no ápice da meditação quaresmal. [1]

O tempo do Advento foi o da espera global; o tempo de Natal foi o anúncio da salvação que veio e começou a se manifestar. A liturgia da Quaresma é o soberano afirmar-se desta salvação acontecida: Jesus Cristo. Jesus Cristo que domina o homem, que domina a natureza, o cosmo, o mundo e toda a sua história, Jesus Cristo nas feições já delineadas de Sua maturidade, na definição já clara de Sua missão, no Seu rosto já inconfundível, presente entre todas as coisas humanas. A figura madura de Cristo, este homem novo, se evidencia segundo toda a força de Sua novidade. Uma medida nova entrou no mundo, uma proposta nova entrou na vida, uma medida e proposta tão novas que o jogo todo da vida se dá em aceitar esta medida nova, ou em afundar-se como escravos na velhice. 
Mas a medida do mistério de Deus é uma pessoa, é um homem maduro, é uma personalidade precisa, que ronda como presença inevitável entre as nossas amizades, entre as nossas casas, dentro de nossos ambientes de trabalho e de interesse, que confronta pessoalmente a nós mesmos, que nos confronta pessoalmente. A fé está toda nisso: a fé está no rosto que assumimos, é no olhar que temos diante dessa pessoa, na reação que temos diante dessa presença.
A liturgia quaresmal ilumina essa presença, a imponência de Sua proposta, a concretude de Sua figura através dos Evangelhos. O evangelho da Samaritana: aquele homem que lê verdadeiramente até o fundo e nada foge a Seu olhar, nada pode ser-Lhe subtraído e, portanto, é preciso ir verdadeiramente até ao fundo, não podemos ficar pela metade; o convite: “se escutarem minha palavra até o fundo serão meus discípulos”, assim como Abraão seguiu (menos do que isto, seria mentira); o relato do cego de nascimento curado; Lázaro ressuscitado da morte. Eis a potência com que Cristo governa as coisas e o tempo.  (...)
Perguntemos a nós mesmos se nos encontramos diante dessa figura, dessa realidade, dessa pessoa, se esse Tu está diante de nós, se esse Tu invade toda a nossa personalidade, se esse Tu está no fundo de toda direção, entendimento, vontade, desejo, amor; se a nossa vida é esse amor.
De outro modo, nos apoiaríamos na carne e “toda carne é como a erva e toda sua glória é como a flor da erva; murchou a erva e a flor caiu, mas a palavra do Senhor permanece eternamente (1Pd 1, 24). Esta palavra não é um discurso, é uma pessoa real, um homem, é Jesus Cristo (1Pd 2,6-8).
Resgatemos, pois, a consciência dessa presença desde a profundeza da neblina, do desconhecimento, da incompreensão enorme. Recoloquemo-nos diante dAquele para quem nossa vida é resposta, que é o fundamento, o significado de nossa responsabilidade

Notas
[1] GIUSSANI, Luigi. Dalla liturgia vissuta: una testimonzianza. Milano: Jaca Book, 1991, pp. 49-50, 55, tradução nossa.

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