No início desta Semana Santa de 2019, sugerimos para acompanhar o seu caminho de meditação e aprofundamento nos mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor, o Miserere do compositor italiano Gregorio Allegri (1582-1652).
Por Luigi Giussani
Miserere [1]. O reconhecimento do próprio pecado pode acontecer somente diante da Misericórdia, só dentro do abraço recriador do Pai. O canto de Allegri, na sua pureza cristalina e na audácia dos seus saltos, é, de fato, todo apoiado e abandonado nos braços da Misericórdia. Miserere: tendo nos olhos a Presença, não o próprio pecado. Basta isto; a tal ponto que não se pode parar, nem mesmo um instante, no seu pecado. Miserere: deixando suspenso o canto, aparentemente suspendendo o canto, mas entrando no coração do canto.
Se eu não me descobrisse tão pecador, tão diferente do Pai, como uma pessoa que foge, filho pródigo que vai embora, que joga fora aquilo que o Pai lhe deu – eu facilmente me esqueço como o Pai se comporta comigo, eu o esqueço enquanto passo o dia com você – , não existiria a verdadeira ideia de mim e, por isso, não poderia ser sustentada a verdadeira ideia de Mistério. De fato, não se poderia descobrir o que é Misericórdia. Esta é a maior e “explosiva” revelação: o Pai que abraça todos na salvação. A figura de Cristo é o Pai misericordioso, a misericórdia do Ser, porque o Ser é misericórdia. Então, a pessoa, mesmo imunda, agarra-se a Ele.
O Miserere de Allegri é a expressão da verdadeira dor, o início de uma dor que, no tempo, torna-se gratidão. É o início de uma dor cuja maturidade, cujo amadurecimento é como uma semente, é a semente de uma dor que se desenvolvendo em flor, torna-se gratidão, é a flor da gratidão: reconhecimento por sermos amados, reconhecimento e aceitação disso. E isto gera algo porque, se é aceitação de ser amado, então é amar; a resposta é amorosa e a memória de ser amado faz tornar-se fonte de ação, fonte de criação, de criatividade. O primeiro alimento do amor, cuja essência original é a aceitação, é a dor de que essa aceitação não invista e não determine tudo de mim.
O ideal não é tirar todos os pecados, o ideal é olhar Cristo, se se deseja que até o pecado grave seja vencido. De outra forma, não é verdade que queremos nos livrar do pecado grave, mas queremos ter o gosto de dizer: “eu consegui”. Enquanto dizer “só Ele é” exige uma humildade de mendicante.
Notas:
[1] CHIERICI, Sandro; GIAMPAOLO, Silvia (orgs.). Spirto gentil: un invito all’ascolto dela grande musica guidati da Luigi Giussani. Milão: BUR Rizzoli, 2011, p.515-516. Traduzido sem revisão dos autores por Fábio Henrique Viana.
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