As histórias conectadas de Henry Newmann, Josef Ratzinger e Sophie Scholl
O ministro da Educação Abraham Weintraub afirmou numa viagem
ao Nordeste, que as universidades do Nordeste não deveriam oferecer cursos de
sociologia e filosofia. Para ele, as unidades de ensino deveriam priorizar o
ensino de agronomia. E noutra ocasião disse que o governo estuda
descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas) por
elas não terem retorno imediato e não gerarem renda e bem-estar para as
famílias brasileiras (26 de abril de 2019). A visão veiculada pelo
ministro parece focar a função da Universidade na formação profissional, mas
desconsidera uma das mais importantes missões da Universidade, função pela qual
são essenciais disciplinas como filosofia, história, literatura, sociologia,
etc..: a formação das consciências.
A
formação da consciência é o centro da concepção de universidade de um grande intelectual católico inglês H. Newman (1801-1890), fundador da
Universidade católica da Irlanda, (que entre outros será canonizado no dia 13
de outubro pelo Papa Francisco), expressa em conferências proferidas em 1851 e
reunidas num livro chamado “A ideia de Universidade”.
Segundo a tese do livro
de Newman, houve um gradual deslizamento da concepção da Universidade: da universitas scientiarum (conjunto
universal de todo o conhecimento) medieval chegou-se à universidade do século
XXI, tida como provedora do mercado de
trabalho. Newman, ao pressentir o problema buscou recuperar e atualizar
a concepção original de Universidade, formulando-a como um lugar onde se ensina um conhecimento
universal e onde se forma a consciência das pessoas segundo um ideal de
liberdade. A Universidade é uma comunidade composta por
professores, pesquisadores e alunos que, embora estudem ciências diferentes, se
beneficiam desse convívio: um habitat comum, familiar. Por isto, a Universidade medieval era chamada também
de alma mater, ou seja,
“mãe carinhosa”. Nesse ambiente, o aluno vive inserido em uma tradição
intelectual e forma uma posição humana que durará toda a vida, cujos atributos são elencados por Newman no
Quinto Discurso contido no livro: a liberdade, a equidade, a calma, a moderação
e a sabedoria. Assim, a posse de um conhecimento deve proporcionar uma experiência
de “satisfação” para a pessoa, pelo fato de forma-la para a fruição da verdade,
do bem, da beleza, da justiça. Por isso, segundo Newman, no âmbito
universitário deve-se falar não em instrução, mas em educação
O conhecimento que mais propriamente serve de fundamento para a satisfação
dessas exigências da razão humana é o filosófico; sendo este indispensável
componente da formação universitária. No saber filosófico, ocorre aquele processo de aprendizagem pelo qual o
intelecto, ao invés de ser formado em um propósito particular ou acidental,
como, por exemplo, as habilidades e competências necessárias para dada
profissão, ofício, estudo ou ciência específicos, é dirigido para a apreensão
do seu objeto próprio, ou seja, a compreensão das coisas assim como elas são.
No Discurso n XXX, Newman afirma que esse tipo de estudo “remove a obscuridade do olho da mente; fortalece e aperfeiçoa sua
visão; capacitá-la a olhar fora no mundo diretamente adiante, firme e
verdadeiramente; dá à mente clareza, exatidão, precisão; capacitá-la a usar as
palavras corretamente, a entender o que cada uma diz, a conceber com justeza o
que pensa, a abstrair, comparar, analisar, dividir, definir, e raciocinar,
corretamente”. Em suma, aptidões essas, todas importantes para a vida cotidiana
das pessoas e das sociedades. Além do mais, continua Newman, a universidade é o
lugar do pluralismo, “o lugar onde mil escolas fazem contribuições; onde o
intelecto pode em segurança vaguear e especular, certo de encontrar seu igual
em alguma atividade antagonista, e seu juiz no tribunal da verdade. É um lugar
onde a investigação é empurrada para frente, e as descobertas verificadas e aperfeiçoadas,
e a precipitação se torna inócua, e o erro é exposto, pela colisão de mente com
mente, e conhecimento com conhecimento”. É o lugar “onde o professor se torna
eloquente, e é um missionário e um pregador, exibindo sua ciência em sua mais completa
e vitoriosa forma, derramando-a com o zelo do entusiasmo, e acendendo o seu
próprio amor por ela no peito de seu ouvinte”.
Desse modo, segundo Newman,
a Universidade contribui para aumentar o nível intelectual
médio da sociedade. Ela inspira a mentalidade, forma o gosto, propõe
princípios, contribui para um melhor exercício do poder político e proporciona o
intercâmbio pessoal e a reflexão sobre as opiniões e juízos.
Esse potencial da vida
universitária enfatizado por Newman ecoou no coração de alguns jovens universitários
seus leitores na Alemanha à época do nazismo.
O jovem Joseph Ratzinger
passou pelos horrores da Alemanha nazista e viu os efeitos devastadores do
nacional-socialismo nas consciências de seus concidadãos alemães. Quando entrou
no seminário, em 1946, a catástrofe alemã era evidente: como isso poderia ter
acontecido? Perguntavam-se entre si
professores e alunos. Felizmente, eles tinham os escritos de Newman, pois suas
obras mais importantes haviam sido traduzidas para o alemão entre as guerras. Relembrando
esse período em 1990, o cardeal Ratzinger observou: "A doutrina de Newman
sobre a consciência (...) atraiu a todos nós com seu fascínio. (...) Tínhamos
experimentado a reivindicação de um partido totalitário, que foi concebido como
a plenitude da história e que negava a consciência do indivíduo. Hermann Göring
havia dito sobre seu chefe: "Não tenho consciência! Minha consciência é
Adolf Hitler ”. A imensa ruína do homem resultante disso estava diante de
nossos olhos. Portanto, era um fato libertador e essencial para nós sabermos
que o "nós" da Igreja não se baseava na eliminação da consciência,
mas poderia desenvolver-se apenas a partir da consciência».
Outros jovens universitários
a ele contemporâneos, Hans e Sophie Scholl, foram tocados pela posição de
Newton através das aulas de um docente, filósofo e historiador da cultura
Theodor Haecker. Haecker traduziu sete obras de Newman e, em várias ocasiões,
leu trechos deles durante as reuniões ilegais secretas convocadas por Hans
Scholl para seus amigos, reunidos num movimento chamado de Rosa Branca. Além
disto esse professor levou aqueles jovens a ler a literatura e filosofia alemã,
e comparar com o discurso do Hitler, para verificar se efetivamente este
expressara o espírito de seu povo. E aqueles jovens verificaram então a falácia
do nazismo. Sophie Scholl foi uma das iniciadoras do movimento
de resistência Rosa Branca, ao lado do irmão Hans, três anos mais velho, e de
outros universitários e intelectuais. A partir do verão de 1942, o grupo passou
a conclamar a população, em panfletos que surgiam em diferentes cidades, à
resistência pacífica contra o regime de Hitler. A 18 de fevereiro de 1943,
Sophie, Hans e seu amigo Christoph Probst distribuíam um novo panfleto — o
sexto de sua autoria — pelos corredores da Universidade de Munique, onde
estudavam, quando chamaram a atenção de um zelador. Presos, os três jovens
foram julgados e condenados à morte quatro dias mais tarde. Apenas três horas
após o pronunciamento da sentença, morreram decapitados. Sophie tinha 21 anos
ao ser executada,
Quando o noivo de
Sophie, um jovem chamado Fritz Hartnagel, foi convocado no exercito da Frente
Oriental em 1942, o presente de despedida de Sophie foram dois volumes dos
sermões de Newman. Dentre eles, um dos sermões "The Witness of Conscience" onde ele explica que a consciência
é um eco da voz de Deus que ilumina para cada pessoa a verdade moral em
circunstâncias precisas. Cada um de nós, diz Newman, tem o dever de obedecer a
uma consciência correta antes e além de todas as outras considerações.
Perguntada pela Gestapo em fevereiro de 1942, Sophie disse que foi sua
consciência cristã que a forçou a se opor ao regime nazista de maneira não
violenta. Como seu irmão, ele encontrou em Newman e em outros autores cristãos
os recursos e a inspiração para entender o significado do mundo demoníaco no
qual ele se viu imerso.
É provável que as
palavras finais do quarto folheto da Rosa Branca tenham sido escritas sob a
influência de Newman: "Não vamos ficar calados, somos a voz da sua má
consciência". (1)
As histórias desses
jovens universitários mostram a importância dos estudos de matérias como
filosofia, literatura, etc..para a formação da consciência das novas gerações.
O que teria sido deles, se suas consciências não tivessem recebido esses
alimentos?
Sem o ensino da
filosofia, da literatura e das Humanidades (hoje ameaçadas de serem considerados
saberes de subcategoria e retirados do ensino universitário), será mais fácil
nos tornarmos meros instrumentos nas mãos dos poderosos e dos totalitarismos
que ainda hoje ameaçam nosso mundo buscando nos reduzir a meros executores de ordens
e compradores/consumidores de produtos.
Referências
Newman, J. H. (1973), The Idea of a University.
Oxford: Oxford University Press.
(1) Um docente do Magdalen
College School, em Oxford, Paul Shrimpton, relata a história num livro lançado
recentemente Conscience Before Conformity:
Hans e Sophie Scholl.
O ministro da Educação Abraham Weintraub afirmou numa viagem ao Nordeste, que as universidades do Nordeste não deveriam oferecer cursos de sociologia e filosofia. Para ele, as unidades de ensino deveriam priorizar o ensino de agronomia. E noutra ocasião disse que o governo estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas) por elas não terem retorno imediato e não gerarem renda e bem-estar para as famílias brasileiras (26 de abril de 2019). A visão veiculada pelo ministro parece focar a função da Universidade na formação profissional, mas desconsidera uma das mais importantes missões da Universidade, função pela qual são essenciais disciplinas como filosofia, história, literatura, sociologia, etc..: a formação das consciências.