Depois do Concílio Vaticano II e através desse, quis-se disponibilizar e
dar a conhecer diretamente aos leigos a Bíblia, os textos patrísticos e os
textos das celebrações litúrgicas, através da tradução e do seu livre acesso.
Mas não só isso, o Concílio também mudou a forma como a Igreja concebe a
si mesma e sua jornada na história, partindo da compreensão que a Igreja é um
povo de Deus que, unido nos diferentes carismas e responsabilidades, recebe
através da influência do Espírito Santo, a força para a proclamação de Cristo
Senhor do cosmos e da história.
Esta mudança na forma de compreender as responsabilidades entre os
leigos e o clero, que ainda estamos experimentando, deixa muitas perguntas sobre
como celebrar a fé e o anúncio cristão de forma persuasiva para o ser humano de
hoje. Muitas vezes tentamos reconhecer a importância do povo de Deus, onde o
Espírito Santo age, clericalizando o leigo, dando-lhe mais tarefas para
executar com o padre em celebrações litúrgicas, em vez de ajudar o leigo a
viver sua vida de fé através de um acesso mais profundo ao conhecimento da
Bíblia, da tradição e da liturgia.
Para este fim, é muito importante o que Romano Guardini diz logo após o
Concílio:
"Se as intenções do Concílio forem postas em prática, será necessário um ensino adequado, mas sobretudo uma verdadeira educação e exercício para aprender o ato litúrgico. Esta é a tarefa de hoje: educação litúrgica. Se não se começar, a reforma dos ritos e textos não conseguirá muito."
"Se as intenções do Concílio forem postas em prática, será necessário um ensino adequado, mas sobretudo uma verdadeira educação e exercício para aprender o ato litúrgico. Esta é a tarefa de hoje: educação litúrgica. Se não se começar, a reforma dos ritos e textos não conseguirá muito."
A necessidade litúrgica nas comunidades leigas e
dificuldades
Na América Latina e em países como o Brasil, a falta de sacerdotes e
paróquias, o grande crescimento das comunidades evangélicas ou mesmo novas
comunidades católicas leigas, são realidades cada vez mais notáveis (sem querer
estabelecer aqui uma relação de causa e efeito). Muitos reconhecem que as novas
comunidades leigas representam a experiência mais efervescente da Igreja nesses
países. Mas é igualmente reconhecido e deve ser enfatizada, a falta de
conhecimento litúrgico dos leigos que as animam.
O Concílio Vaticano II diz que a liturgia é culmen et fons da vida de fé. Assim, pode-se dizer, que é
impossível viver a fé sem que ela seja expressa de alguma forma através de uma
celebração litúrgica; e isso pode ser facilmente verificado nas novas
comunidades católicas (e até mesmo evangélicas!). Porque, para viver o
pertencimento seus membros, de alguma forma, "inventam" celebrações
litúrgicas, com música, gestos, orações, templos, roupas e hábitos próprios.
Algumas comunidades, por exemplo, buscam o ideal do apogeu da Igreja do período
medieval. Outras reconstroem fora das grandes cidades modernas grandes
edifícios em estilo antigo. Igrejas evangélicas constroem templos gigantes,
outras retomam alguns hábitos judaicos antigos. Algumas comunidades católicas
desenvolveram exercícios físicos e gestuais como uma forma de oração, retomando
a tradição da Paideia grega.
E aqui é essencial, embora brevemente, levantar a questão da importância
de se conhecer bem a tradição litúrgica. Se tomarmos como exemplo o progresso
do conhecimento científico, estudiosos como Thomas Khun dizem que uma nova
descoberta surge daqueles que conhecem muito bem o assunto e o que veio antes
deles, enquanto ao mesmo tempo, estão profundamente imersos na crise
contemporânea (não serve mais o que já sabem ou tem à disposição). Da mesma
forma, a tradição litúrgica representa a riqueza de uma experiência humana
desenvolvida por um longo tempo de purificação e aprofundamento. Sobrevive o
que é mais adequado para responder ao profundo anseio humano de beleza, bem e
verdade. O que ajuda mais a rezar e pode ser purificado pela experiência de
muitas sensibilidades diferentes, especialmente por aqueles que têm qualidades
artísticas excepcionais.
Por exemplo, há uma diferença muito grande entre uma canção litúrgica,
uma pintura ou uma escultura que permanecem no tempo por causa da sua qualidade
artística e beleza, isto é, por sua capacidade de mover e mudar o coração
humano, e as obras de arte, se podemos chamá-las assim, que depois de um pouco
de tempo nos cansam e entediam, e com isso são rapidamente esquecidos. Embora
não seja possível aprofundar a compreensão dessa diferença neste texto, é
importante dizer que essa diferença é fundamental para a liturgia e a ação
ritual de uma determinada comunidade.
Muitas vezes comunidades paroquiais ou não, fazem uso de canções,
pinturas, esculturas, gestos litúrgicos, inventados e feitos no último minuto
por pessoas amigas, mas com poucos dons artísticos e, acima de tudo, pouco
conhecimento artístico e da tradição litúrgica. Esse empobrecimento litúrgico,
inevitavelmente resulta no empobrecimento da experiência eclesial.
Por isso, é urgente que se criem escolas que ensinem liturgia para os
leigos e que se adaptem à realidade daqueles que trabalham ou têm famílias. O
ideal seria cursos de liturgia noturnos ou no fim de semana ou cursos on-line
específicos para os propósitos daqueles que participam ou incentivam
comunidades leigas, paroquiais ou não. Hoje, na realidade brasileira, por
exemplo, os cursos de liturgia são ministrados quase exclusivamente para quem
faz faculdade de teologia.
Como conteúdo, os cursos de liturgia para os leigos
poderiam, além de explicar o que, como, por que se celebra, e aspectos
importantes da liturgia da missa, ensinar aos leigos a liturgia das horas, a
música litúrgica e a riqueza da tradição. A Igreja desenvolveu, através da
experiência da fé leiga, especialmente monástica, uma liturgia muito profunda e
rica que tem sustentado homens e mulheres na fé por milênios, mas que hoje é
quase desconhecida pelos leigos. É de grande ajuda para as novas comunidades
conhecer essa tradição.
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