A Doutrina Social da Igreja, quando trata da ação eclesial e dos compromissos a que os cristãos leigos são chamados, deixa claro que o “serviço à política” é um dever do cristão na medida em que se trata da “expressão qualificada e exigente do compromisso cristão ao serviço dos outros” [1], iluminado pelo “primado da caridade, ‘sinal distintivo dos discípulos de Cristo’ (cf. Jo 13,35)” [2]. Não faz muito tempo, o Papa Francisco retomou esse pensamento, que alia política à caridade, em um discurso seu [3]. Seria bem compreensível se a nossa primeira reação, ao ouvir falar dessa maneira de política, fosse virar o rosto com desânimo ou desgosto: “impossível!” – diríamos – “No Brasil, nunca será assim!”. Mas, certamente, esta não é uma postura cristã.
É verdade que o mal nasce do coração do ser humano, e os nossos homens de governo – políticos, empresários, juristas – têm nos dado toda a demonstração disso: basta ter algum poder ou dinheiro na mão para, logo, surgirem ideias como “vou arrasar, desfrutar, roubar, e me aproveitar!”; “tudo para mim, nada para os outros”. Essa postura tornou-se tão familiar – desde o pequeno chefe até à pessoa mais poderosa –, que pensamos ser uma atitude inevitável e que não há outra alternativa. E quanto mais pobre for uma pessoa, tanto mais fará, diante dessa impressão de fatalidade, a experiência de ser usurpado dos seus direitos, violentado em suas esperanças, e de ser impotente.
Porém, nós cristãos sabemos que o bem também nasce do coração do ser humano. E que todo o agir humano tem origem no coração. É no coração que nascem o desejo de bem, de beleza e de verdade. Ainda mais: estes desejos e exigências são a verdadeira natureza do coração. Ele foi feito assim pelo Criador. O mal, por sua vez, é violência contra o coração e sua natureza. O mal vem de um usurpador e enganador que age vindo de fora. E nós temos, também dada pelo Criador, a possibilidade de aceitar ou não.
Assim, voltemos à política: quando o coração de uma sociedade adoece em conjunto (porque uns contaminam os outros), o remédio tem que ser público e amplamente disseminado. E de onde pode vir o remédio? Daqueles que têm, diante dos olhos, o ideal e rezam para não esmorecer nem desanimar, pois sabem que quando muita gente adoece, é preciso o milagre de sermos salvos da doença, e precisamos pedir essa graça.
Luigi Giussani, em seu livro O Eu, o poder, as obras diz: “é preciso cuidar para que o Poder não seja em proporção direta com a Impotência, porque então o Poder se tornaria Prepotência diante de uma Impotência, que é fruto, justamente da redução sistemática dos desejos, das exigências e dos valores” [4].
De onde partir, então? O que cada um de nós pode fazer? O Papa, numa audiência na Sala Paulo VI, em 2015, conversando com um grupo de jovens, disse que os cristãos devem se envolver na política (uma vez que ela é a maior forma de caridade!). O verdadeiro político é aquele que se sente chamado não a cuidar só de si, mas de todos. Por isso é a maior forma de caridade.
Há a grande Política. Mas ela sempre começa na “pequena” política do dia a dia, da união entre comunidades, da discussão e do compartilhamento dos anseios e desejos, das iniciativas que geram obras, da construção de relacionamentos de caridade nas famílias, do cuidar de si e do outro, do rezar juntos. Tudo isso são gestos políticos que geram uma sociedade e um povo novo. Se voltarmos o olhar para os Atos dos Apóstolos veremos que esse movimento de comunidades gera uma grande mudança, e veremos documentado também que não demora muito para ela acontecer, com a graça do Espírito Santo que está sempre pronto a responder com Sua força a todos que O invocarem!
Ana Lydia Sawaya
Paulo Roberto de Andrada Pacheco
Notas:
[*] “O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes”, miniatura tirada de um livro de orações, do ano c. 1240, British Library, Londres. Disponível aqui.
[1] PAULO VI. Carta Apostólica Octogesima adveniens, 46.
[2] JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis, 40.
[3] Cf. EQUIPE Christo Nihil Praeponere. Política, um dever do católico. Blog “Christo Nihil Praeponere”, 12 de junho de 2013. Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/blog/politica-um-dever-do-catolico>. Acesso em 27 maio 2017. Cf. também ALETEIA Brasil. “Católicos não se envolvem em política”. É mesmo? Então diga isto ao papa Francisco. Aleteia, 02 de outubro de 2015. Disponível em: <https://pt.aleteia.org/2015/10/02/catolicos-nao-se-envolvem-em-politica-e-mesmo-entao-diga-isto-ao-papa-francisco/>. Acesso em 27 maio 2017.
[4] GIUSSANI, Luigi. O eu, o poder, as obras: contribuições de uma experiência. São Paulo: Cidade Nova, 2001, p. 163.
[2] JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis, 40.
[3] Cf. EQUIPE Christo Nihil Praeponere. Política, um dever do católico. Blog “Christo Nihil Praeponere”, 12 de junho de 2013. Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/blog/politica-um-dever-do-catolico>. Acesso em 27 maio 2017. Cf. também ALETEIA Brasil. “Católicos não se envolvem em política”. É mesmo? Então diga isto ao papa Francisco. Aleteia, 02 de outubro de 2015. Disponível em: <https://pt.aleteia.org/2015/10/02/catolicos-nao-se-envolvem-em-politica-e-mesmo-entao-diga-isto-ao-papa-francisco/>. Acesso em 27 maio 2017.
[4] GIUSSANI, Luigi. O eu, o poder, as obras: contribuições de uma experiência. São Paulo: Cidade Nova, 2001, p. 163.
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