A questão se dinheiro ou riqueza compram felicidade tem sido objeto de muitos estudos ultimamente. Uma pesquisa nos Estados Unidos que entrevistou mais de 450 mil pessoas revelou dados muito interessantes [1]. Este estudo avaliou dois âmbitos da experiência humana: bem-estar emotivo (também denominado experiência de felicidade) que se refere à qualidade da vida cotidiana das pessoas e a frequência e intensidade de experiências de alegria, fascínio e também ansiedade, tristeza, raiva e experiências afetivas descritas com agradáveis ou desagradáveis; e autoavaliação da própria vida que se refere ao pensamento que uma pessoa emite sobre a própria vida.
Os resultados mostraram claramente que muito dinheiro não compra felicidade. O escore de felicidade atinge um platô acima do qual não há progresso. Este valor surpreendentemente não é muito alto: para quem mora nos Estados Unidos é cerca de R$12.500,00 por mês. Uma comparação rápida para se entender este “valor não muito alto”: nos Estados Unidos o PIB per capita (que mede a riqueza média produzida por habitante) é quase 5 vezes maior que o do Brasil. Entre nós, este valor seria mais ou menos a renda de uma família da classe B do IBGE.
Um salário acima desse valor não aumenta o bem-estar emotivo ou felicidade. Os autores mostraram que este valor parece ser o limite acima do qual não há melhoria, para as pessoas, daquelas experiências descritas como originadoras de felicidade, como estar junto com pessoas de quem elas gostam, evitar a dor e a doença, e fazer coisas que trazem alegria no tempo livre. Ao contrário, alguns outros estudos mostraram até que valores muito altos de salário aumentam a infelicidade e prejudicam a capacidade de saborear as pequenas coisas [2].
De forma distinta, o indicador autoavaliação da própria vida aumenta na medida em que aumenta o salário. Este indicador expressa como a pessoa se vê e tem em conta a sua importância ou posição pessoal, mas não as suas experiências emotivas. Esta diferença reside na distinção entre “pensar” algo sobre si e “experimentar” algo no cotidiano.
O estudo mostrou ainda que um salário muito abaixo desse valor traz infelicidade, agravada por três situações bem definidas: divórcio, solidão e doença. Vale a pena lembrar a esse respeito que há fortes associações entre frequência e intensidade de doenças e infelicidade; e que estes eventos são agravados pela pobreza. Isso quer dizer que quem refere ser infeliz ou fazer experiências frequentes de adversidade também fica mais doentes, e essas duas condições de vida são muito mais frequentes entre os mais pobres. Da mesma forma, que quem tem escores mais altos de bem-estar emocional fica menos doente.
Mas há ainda um outro fator que interfere negativamente na relação salário x infelicidade: ganhar dinheiro vicia (ou seja gera comportamentos descontrolados), assim como jogar, consumir drogas, e comida palatável (rica em gorduras, açúcar e sal) [3]. Estudos mostram que os mesmos centros nervosos que se ativam em pessoas viciadas em drogas, são exacerbadamente estimulados em situações em que ganhar dinheiro está em jogo.
Qual o caminho para a felicidade então? Sócrates, na sua observação sobre a condição do ser humano na terra, dizia que a virtude está no meio-termo. E a felicidade está no autodomínio:
quem se abandona à satisfação dos desejos e impulsos é constrangido a depender das coisas, dos homens e da sociedade, aqueles e esta necessários em diferente medida para alcançar o objeto que apaga os desejos: torna-se necessitado de tudo o que é dificílimo de alcançar e vítima de forças não controláveis por ele, perde a liberdade, a tranquilidade e a felicidade. [4]
A felicidade não consiste em se ter sempre mais, mas em se reconhecer amado e capaz de amar. A falta de condições materiais para atender às necessidades e desejos que nascem de uma relação amorosa consistente gera sofrimento e dor. Mas a busca e a dependência de melhores condições materiais também geram sofrimento e dor quando impedem ou ofuscam a consolidação desta relação amorosa.
Notas:
[*] Imagem extraída do seguinte website: http://e-glamblog.com.br/wp-content/uploads/2014/07/dinheirofelicidade1.jpg.
[1] KAHNEMAN, Daniel; DEATON Angus. High income improves evaluation of life but not emotional well-being. PNAS, v. 107, n. 38, pp. 16489-16493, 2010.
[2] QUOIDBACH, Jordi; DUNN, Elizabeth W.; PETRIDES, K.V.; MIKOLAJCZAK, Moïra. Money giveth, money taketh away: the dual effect of wealth on happiness. Psychological Science, v. 21, pp. 759-763, 2010.
[3] SAWAYA, Ana Lydia. Alimentos ricos em açúcar, gordura e sal induzem à hiperfagia e ao vício alimentar. In: SAWAYA, Ana Lydia; LEANDRO, Carol Góis; WAITZBERG, Dan. Fisiologia da Nutrição na Saúde e na Doença: da biologia molecular ao tratamento. São Paulo: Ed. Atheneu, 2013.
[4] REALE, Giovanni. Sofistas, Sócrates e Socráticos Menores. São Paulo: Ed. Loyola, 2009.
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