sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Projeto de Lei “Escola sem Partido”: subsídios para um juízo 2


Dando continuidade à postagem anterior, queremos apresentar, hoje, um segundo subsídio para um juízo acerca do Projeto de Lei 193/16. Diz respeito ao lugar que a Família deve ocupar quando o que está em jogo é a educação.
2) Um pai com quem conversamos, disse-nos: “Acho muito importante, sim, definir o papel do Estado e, mais especificamente, quando ele pode intervir. Mas, o mesmo não se pode fazer com a família, em meu modo de pensar. A família nunca poderá ser substituída por nenhuma esfera social superior. A sua importância, atuação, intervenção não devem ser negadas jamais em nenhuma fase da vida dos filhos”. De fato, é mais do que reconhecido o papel central que ocupa a família, por exemplo, na Doutrina Social da Igreja, em cujo compêndio há todo um capítulo dedicado ao tema [1]:
Uma sociedade à medida da família é a melhor garantia contra toda a deriva de tipo individualista ou coletivista, porque nela a pessoa está sempre no centro da atenção como fim e nunca como meio. É de todo evidente que o bem das pessoas e o bom funcionamento da sociedade, portanto, estão estreitamente conexos “com uma feliz situação da comunidade conjugal e familiar”. Sem famílias fortes na comunhão e estáveis no compromisso, os povos se debilitam. Na família são inculcados, desde os primeiros anos de vida, os valores morais, transmite-se o patrimônio espiritual da comunidade religiosa e o cultural da nação. Nela se dá a aprendizagem das responsabilidades sociais e da solidariedade. [2]
E, na sequência, o Compêndio lembra que “há que se afirmar a prioridade da família em relação à sociedade e ao Estado” e que “todo modelo social que pretenda servir ao bem do homem não pode prescindir da centralidade e da responsabilidade social da família” [3].
Vale lembrar, pontualmente, algumas outras referências à família em textos, por exemplo, de João Paulo II. Em sua Encíclica Centesimus Annus, em comemoração dos cem anos de aniversário da Rerum Novarum, insiste sobre “os necessários limites à intervenção do Estado e [...] o seu caráter instrumental, já que o indivíduo, a família e a sociedade lhe são anteriores, e ele existe para tutelar os direitos de um e de outras, e não para os sufocar” [4]. Na mesma encíclica, se recorda, entre os direitos conquistados após a queda dos regimes totalitários comunista e de “segurança nacional”, o direito “a fundar uma família e a acolher e educar os filhos, exercitando responsavelmente a sua sexualidade”. E, segundo João Paulo II, esse direito como todos os demais adquiridos com as redemocratizações, encontram sua fonte na “liberdade religiosa, entendida como direito a viver na verdade da própria fé e em conformidade com a dignidade transcendente da pessoa” [5]. Ou seja, a educação dos filhos pressupõe a liberdade religiosa. E, finalmente, para ficarmos apenas com mais uma contribuição de seu pontificado, retomamos um trecho da Carta às Famílias:
Por que é assim tão importante o “esplendor da verdade”? Em primeiro lugar, por contraste: o desenvolvimento da civilização contemporânea está ligado a um progresso científico-tecnológico que atua de modo frequentemente unilateral, apresentando assim características puramente positivistas. O positivismo, como se sabe, tem como seus frutos o agnosticismo no campo teórico e o utilitarismo no campo prático e ético. Nos nossos tempos, a história em certo sentido repete-se. O utilitarismo é uma civilização da produção e do desfrute, uma civilização das “coisas” e não das “pessoas”; uma civilização onde as pessoas se usam como se usam as coisas. No contexto da civilização do desfrute, a mulher pode tornar-se para o homem um objeto, os filhos um obstáculo para os pais, a família uma instituição embaraçante para a liberdade dos membros que a compõem. Para convencer-se disto, basta examinar certos programas de educação sexual introduzidos nas escolas, não obstante o frequente parecer contrário e até os protestos de muitos pais; ou então, as tendências pró-abortistas que em vão procuram esconder-se atrás do chamado “direito de escolha” (pro choice) por parte de ambos os cônjuges, e particularmente por parte da mulher. São apenas dois exemplos dos muitos que se poderiam recordar. [6]
Também o Papa Emérito Bento XVI, no período de seu pontificado, dedicou atenção especial ao tema da família e seu papel na educação dos filhos. No discurso pronunciado por ocasião da conclusão do VI Encontro Mundial das Famílias, na Cidade do México, em 2009, ele afirmou:
A família é um fundamento indispensável para a sociedade e os povos, assim como um bem insubstituível para os filhos, dignos de vir à vida como fruto do amor, da entrega total e generosa dos pais. Como pôs em evidência Jesus, honrando a Virgem Maria e São José, a família ocupa um lugar primário na educação da pessoa. É uma verdadeira escola de humanidade e de valores perenes. Ninguém se deu a vida a si mesmo. Recebemos de outros a vida, que se desenvolve e amadurece com as verdades e os valores que aprendemos no relacionamento e na comunhão com os demais. Neste sentido, a família fundada no matrimônio indissolúvel entre um homem a uma mulher expressa esta dimensão de relacionamento, filial e comunitária, e é o âmbito onde o homem pode nascer com dignidade, crescer e desenvolver-se de maneira integral. [7]
O Papa Francisco, no dia 25 de outubro de 2013, discursou para os participantes da plenária do Pontifício Conselho para a Família. Em seu discurso, lembrou a Carta dos Direitos da Família [8], preparada pela Santa Sé no ano de 1983, e afirmou que “a família é o motor do mundo e da história” e que 
Cada um de nós constrói a própria personalidade em família, crescendo com a mãe e o pai, com os irmãos e as irmãs, respirando o calor da casa. A família é o lugar onde recebemos o nome, o lugar dos afetos, o espaço da intimidade, onde se aprende a arte do diálogo e da comunicação interpessoal. Na família, a pessoa toma consciência da própria dignidade e, especialmente se a educação é cristã, reconhece a dignidade de cada indivíduo, de maneira particular do doente, frágil, marginalizado. Tudo isto é a comunidade-família, que pede para ser reconhecida como tal, ainda mais nos dias de hoje, quando prevalece a tutela dos direitos individuais. E devemos defender o direito desta comunidade: a família. [9]
Sendo assim, não é demais afirmar que a família deve ocupar esse lugar de centralidade mesmo quando os jovens começam a testar novas hipóteses e buscam ampliar seus horizontes para além dos muros parentais, mesmo quando a nova proposição daquelas indicações fundamentais dos pais é enfrentada pelos filhos de forma conflituosa. É até mesmo importante que isto ocorra para que os pais cresçam e aprofundem os laços com os seus filhos. Afinal, será sempre na crise que a pessoa nascerá, como afirmou uma mãe: “Nesse contexto, arrisco afirmar que é na crise que nascem novamente o pai como pai, a mãe como mãe, o filho como filho. E a relação renasce mais profunda entre pais e filhos”. É somente no contexto de conflitos que os descendentes podem se sentir seguros, pois podem se ver diante de uma rocha capaz de se moldar ao tempo sem perder sua essência... e a consequência disso é que se tornam adultos. Uma educadora com quem conversamos afirmou: “Minha experiência como mãe e educadora me mostra que um professor, ou o Estado, ou qualquer instituição jamais conseguirá exercer um papel tão importante na constituição de um ser humano. Posso garantir que as marcas de uma família que não exerce a sua tarefa são uma fratura na vida de uma criança ou de um jovem”. Nesse sentido, a importância da família não se restringe somente ao afeto que oferece aos filhos, que é muito importante na constituição psicológica de qualquer pessoa, mas, sobretudo, no sentido e direção que oferece para que ele se torne mais pessoa:
No clima de natural afeto que liga os membros de uma comunidade familiar, as pessoas são reconhecidas e responsabilizadas na sua integralidade: “primeira e fundamental estrutura a favor da ‘ecologia humana’ é a família, no seio da qual o homem recebe as primeiras e determinantes noções acerca da verdade e do bem, aprende o que significa amar e ser amado e, consequentemente, o que quer dizer, em concreto, ser uma pessoa”. As obrigações dos seus membros, de fato, não estão limitadas pelos termos de um contrato, mas derivam da essência mesma da família, fundada num pacto conjugal irrevogável e estruturada pelas relações que dele derivam após a geração ou a adoção dos filhos. [10]
E isso, como afirma Giussani (2004), só é possível numa relação de doação ao outro: “um pai e uma mãe se doam aos filhos, portanto doam seu próprio sangue, sua própria carne, mas também suas próprias ideias e seus próprios sentimentos” [11]. 

Notas:
[1] Confira-se o Capítulo V (Segunda Parte) do Compêndio da Doutrina Social da Igreja.
[2] PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. 29 de junho de 2004, § 213. Disponível aqui.
[3] PONTIFÍCIO..., 2004, § 214.
[4] JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Centesimus Annus. 01 de maio de 1991, § 11. Disponível aqui.
[5] JOÃO PAULO II, 1991, § 47
[6] JOÃO PAULO II, Carta às famílias Gratissimam Sane. 02 de fevereiro de 1994, § 13. Disponível aqui.
[7] BENTO XVI, Discurso por ocasião da missa de conclusão do VI Encontro Mundial das Famílias. 18 de janeiro de 2009, § 3. Disponível aqui.
[8] PONTIFICIO CONSEJO PARA LA FAMILIA. Carta de los derechos de la familia, presentada por la Santa Sede a todas las personas, instituciones y autoridades interesadas en la misión de la familia en el mundo contemporáneo. 22 de outubro de 1983. Disponível aqui. Em seu Art. 5º, a Carta dos Direitos da Família explicita que “pelo fato de ter dado a vida a seus filhos, os pais têm o direito originário, primário e inalienável de educá-los; por essa razão eles devem ser reconhecidos como os primeiros e principais educadores de seus filhos”. E seguem-se, desse direito fundamental, seis considerações: a) o direito a educar os filhos conforme suas convicções morais e religiosas; b) o direito a escolher livremente a escola onde seus filhos irão estudar; c) o direito de que seus filhos não façam cursos que sejam contrários a suas convicções morais e religiosas; d) que, quando o Estado impõe um sistema obrigatório de educação, fere-se a liberdade das famílias; e) o direito primário a serem educadores dos filhos pressupõe as formas de colaboração possível entre outros pais, professores e autoridades escolares; f) o direito a esperar que os meios de comunicação social sejam instrumentos positivos para a construção da sociedade e que fortaleçam os valores fundamentais da família.
[9] FRANCISCO, Discurso aos participantes na plenária do Pontifício Conselho para a Família. 25 de outubro de 2013, § 2. Disponível aqui.
[10] PONTIFÍCIO..., 2004, § 212.
[11] GIUSSANI, Luigi. O adulto posto à prova: o problema educativo hoje. In: GIUSSANI, Luigi. Educar é um risco: como criação de personalidade e de história (pp. 163-175. Bauru: Edusc, 2004, p. 170.

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