segunda-feira, 12 de junho de 2017

Apagar a evidência dos acontecimentos: o que isto tem que ver com o estudo da História?


O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava Jato disse, dia desses, em sua página no Facebook:
O cúmulo do cinismo é a cegueira intencional da maioria dos ministros do TSE em relação à corrupção exposta pelo acordo do MPF com a Odebrecht. Deve-se parar de fingir que nada aconteceu. Deve-se parar de desejar a retomada da economia, ou pior, a manutenção desse ou daquele partido no poder à custa da verdade.
Estamos diante de uma situação histórica em que se tenta negar a realidade dos fatos em favor de uma ideologia cujas preocupações se voltam apenas à sustentação de interesses individualistas e egoístas, que, portanto, não visam ao bem comum.  
Mas, de onde surge essa possibilidade sombria de negar as evidências, “fingindo que nada aconteceu”, para a manutenção de um projeto de poder?  E de onde surge a submissão passiva das pessoas e das entidades da sociedade civil, diante desse abuso?
Muitos são os fatores que contribuem a enterrar o poder dos fatos, ou nos termos de Hannah Arendt, a imponência da verdade factual que, segundo esta mesma pensadora, está na origem da autêntica atividade política [1]. Muitos são também os fatores que destituem de protagonismo no processo histórico as pessoas e, sobretudo, as novas gerações. 
Porém, hoje, queremos apontar um deles e trazer à tona, uma vez mais, a solicitação concreta de uma tomada de posição. O fato a que nos referimos encontra-se num nível aparentemente alheio à discussão contemporânea, mas é decisivo para a formação do protagonismo político das pessoas e dos povos. Trata-se do ensino da história e da preservação da memória. Em nosso país, história e memória passaram e passam por um processo de sucateamento que não é alheio aos fatos que, hoje, estão ocorrendo no cenário nacional. Apagar os fatos, fingir que não aconteceram (fatos são também as evidências dos atos corruptos que devem ser julgados), ou deixar de preservar a memória dos acontecimentos (acontecimentos são também os acontecimentos enigmáticos e inexplicados do passado recente do país), tem que ver com uma maneira de menosprezar a imponência dos fatos em prol da afirmação de uma interpretação ideológica dos mesmos, que podemos observar nos manuais escolares de História de nossos filhos e num tipo de ensino da História que reduz o processo histórico ao desencadeamento mecânico de leis e forças econômica, como se elas fossem a estrutura real da história humana. Insinua-se, assim, nas mentes das novas gerações a paralisação de qualquer possibilidade de ação política criativa. Diante das consequências desse tipo de ensino, evidentes em nossos dias, urge um movimento real de repúdio por parte de pais, educadores, responsáveis por instituições educacionais, ainda mais especialmente na medida em que possuírem clara identidade cristã, ou que, de alguma forma, se proponham ao compromisso de cuidar da formação autêntica do humano. Solicitamos que cada um de nossos leitores tome posição nesse sentido nos vários âmbitos de suas vidas cotidianas. 
Se queremos uma mudança do sistema político do Brasil, precisamos começar a nos mover concretamente nessa direção. Para que haja futuros ministro do TSE que não repitam as atitudes da “cegueira intencional diante da corrupção exposta”, ou seja, cegueira diante do mal, precisamos cuidar da formação da cidadania autêntica das pessoas desde os primeiros anos de vida. Não adiantará nada formar futuros profissionais produtivos, ricos e corruptos, ou seja, coniventes com o mal, cuja capacidade de destruição estamos vendo em nossos dias. Precisamos nos mover, e rápido, para mudar isto. Nossa proposta de hoje se refere apenas a um detalhe deste processo de mudança; mas é um detalhe decisivo. 
  
Notas:
[1] Cf., por exemplo, ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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