domingo, 19 de maio de 2019

Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos



Nestes tempos em que também no Brasil se debate o uso das armas de fogo e estamos ainda profundamente marcados pela tragédia ocorrida na escola de Suzano, vale a pena tomar conhecimento de algo que ocorreu há poucas semanas numa cidade americana.
Devon Erickson, de 18 anos, e Maya McKinney, de 16 anos foram presos pelo tiroteio ocorrido no inicio de maio no STEM School Highlands Ranch em Denver, Colorado, resultando em um morto e oito feridos. Há vinte anos, em Columbine, uma escola longe apenas alguns quilômetros, 12 estudantes e um professor foram massacrados por dois meninos armados que conseguiram ferir outros 24 antes de cometer suicídio.
Poderia ter ocorrido um massacre análogo, desta vez também, mas não aconteceu: porque em Denver algo, grande e inesperado, aconteceu: um menino, Kendrick Castillo, ao ver seus colegas Devon e Maya entrar na sala de aula com uma arma, jogou-se sobre eles, protegendo seus companheiros e assim permitindo que se escondessem atrás das mesas ou fugissem. Kendrick morreu dando a vida para salvar seus amigos.
Qual foi a mola que levou Kendrick a se atirar, armado apenas com carne e osso, contra a arma apontada por dois garotos como ele?
Pergunta-se a jornalista Caterina Gioielli: “Quando acontecem fatos como este, tentamos entender o que aconteceu, qual é a mola que acionou o dedo dos dois garotos no gatilho de uma arma; mas se cada momento de um menino é sua história e sua liberdade, qual foi a primavera que levou um menino a dar sua vida, um significado entre o momento e o todo?” (1).
Na noite após o tiroteio, numa vigília com mais de mil jovens presentes, Brendan Bialy, que junto com outro estudante ajudou Kendrick a confrontar os atiradores, comentou: "Quem entrou no edifício com um plano maligno e com absoluta covardia, tentando nos pegar de surpresa e com armas, perdeu de qualquer maneira. Eles tiveram que se render a pessoas boas”.
A atitude de Kendrick, que o levou a dar a vida pelos outros, não foi surpresa para quem o conhecia. Conta o pai de Kendrick, John Castillo, numa entrevista ao Denver Post: "Eu gostaria que ele tivesse corrido para se esconder mas não era do estilo dele: proteger as pessoas, ajudá-las, isso estava em suas cordas". Doce, simpático, engraçado, alegre: estas são apenas algumas das palavras usadas por professores e colegas de classe para descrever esse menino que estava prestes a se formar em tecnologia e robótica: "se alguém chorava ou estava com problemas, aqui estava Kendrick correndo para falar com ele”.
Mas onde Kendrick aprendeu esse modo tão verdadeiro de viver a experiência humana? Ele participava ativamente da vida da comunidade cristã de sua cidade: era coroinha na igreja, ajudava na cozinha e servia refeições durante os encontros das escolas católicas. Os amigos o viram carregando pesadas caixas de frutas, organizando almoços para os idosos, recitando o papel de Jesus na hora da religião. Certa vez, o pai ao conversar com Kendrick sobre a possibilidade de enfrentar uma pessoa armada, lhe disse "você não deve fazer atos heroicos". Kendrick sorriu para o pai dizendo que não pensaria duas vezes antes de salvar alguém em perigo: "você me criou assim, você me fez uma boa pessoa". Ele não realizou um ato heroico, mas viveu de modo heroico o cotidiano, de modo que o cotidiano se tornasse heroico.
Nesse período, no Brasil, os cidadãos dentre os quais muitos cristãos e católicos, discutem a pertinência da legislação que amplia dotar mais amplamente a população de armas para sua defesa e se dividem em facções que assumem posturas que mais parecem ditadas pela ideologia ou pelo medo, do que pela razoabilidade.
É importante que reconheçamos, através do testemunho de Kendrick, a indicação da posição autenticamente cristã diante do problema. Não se trata de pensar em defender-se e de agir determinados pelo medo da violência, mas de afirmar o valor absoluto da vida humana assim como o próprio Cristo fez: “dando a vida para seus amigos”, dando a vida para o mundo, quando for necessário. No testemunho de Kendrick, não há nenhuma dúvida a respeito, mas somente brilha a certeza de uma RAZÃO maior.

(1) Tempi, 11 maggio 2019 https://www.tempi.it

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