Com os olhos arregalados de uma
criança 1
Na Idade Média, quando se sabia
cantar de verdade, o máximo da expressão musical era uma melodia feita de
“a_a_a_a” que se chamava jubilus (ainda se conserva em algum nobre museu
de Milão, mas os padres não a usam mais), em que todo o canto é uma letra: “a_a_a_a”,
segundo um motivo musical que arrasta muito mais que um canto com palavras
expressas. De fato, uma razão fascinada tem como sinal extremo os olhos
arregalados de uma criança. Quando alguém gosta de verdade de uma pessoa, fica
ali, pensando ou olhando, porque se arriscasse alguma palavra poderia diminuir
aquela altura. Nesses casos, diante de algo que nos fascina, falar e tentar
explicar nos deixa sempre com um gosto amargo na boca, deixa-nos sempre com uma
espécie de raiva: quanto mais você diz, menos diz.
Não importa se é conhecida ou
não; a música gregoriana é um carisma, é uma modalidade de temperamento, de
caráter ao tornar profundamente estética a própria palavra dita a Deus.
Escutando esses cantos, se a
pessoa não esteve totalmente distraída – mas mesmo se esteve distraída, porque
a potência desse canto a impregnou e a arrastou sem que ela se desse conta –,
no final, no Amém, há um sabor de paz desconhecida para o nosso mundo,
que ninguém conhece, ninguém!
Poucos rezam como nós podemos
rezar. Por isso, quando a oração se torna canto – como normalmente deve tender
a se tornar –, alcança uma tensão estética com a qual nenhuma experiência pode
competir.
Pensemos, por exemplo, em um dos
hinos de vitória mais serenos de toda a história da música, o Pange lingua
gloriosi lauream certaminis, da Sexta-feira da Paixão: é um canto de
glória, no seu contentamento sublime, cheio de certeza e de poder, de potência
e de glória. De glória: Dulce lignum, dulces clavos, dulce pondus sustinet.
Como podemos mudar o mundo, carregar o mundo, se não somos permeados por essas
dimensões? Seríamos mesquinhos ou ficaríamos como crianças teimosas ou
adolescentes presunçosos, que se lamentam a vida toda; e mesmo se, por
misericórdia de Deus, as circunstâncias fossem favoráveis a nós, isto poderia
atenuar um pouco a expressão do lamento, mas nunca seríamos uma novidade no
mundo, a nossa fé não seria uma fé que vence o mundo, nem uma justiça, nem uma
libertação.
A fé em Cristo gera em nós um
anseio, que é o aspecto gerador da fé de Cristo em nós. A justiça do mundo é a
fé e esta fé gera esperança: que venha a glória de Cristo é a esperança do
presente, não do amanhã, mas do hoje, de agora. A fé se torna calor: o primeiro
calor da fé como juízo é que Cristo vence o mundo.
É necessário tornar todos esses
cantos constatáveis pela existência concreta da nossa vida, para que o coração
possa vibrar com uma intensidade e uma verdade que, de outra forma, seriam
árduas e precárias.
Luigi Giussani
Links para acesso aos cantos :
[1] CHIERICI, Sandro; GIAMPAOLO, Silvia (orgs.). Spirto gentil: um invito all’ascolto
dela grande musica guidati da Luigi Giussani. Milão: BUR Rizzoli, 2011,
p.397-398.
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