quarta-feira, 15 de abril de 2015

O festivo da vida

Tempo de Páscoa: descobrir, na beleza d'A grande Páscoa russa de Rimsky-Korsakov, como "tudo é ordenado a um propósito"; como, na nossa vida, penetrou o que dá significado a tudo, o que redime toda a realidade, e toda a vida.


Por Luigi Giussani

Se se sufoca o Mistério como dimensão do próprio relacionamento com as pessoas e com as coisas, toda a realidade se transforma numa farsa, é feita em pedaços, os olhares e as mãos a quebram em partes sem nexo [1].
A dramaticidade da vida está nessa alternativa. Pressente-se muito bem isso escutando a bela música de Rimsky-Korsakov em A Grande Páscoa Russa. Pode-se pensar, em contraposição, em uma discoteca: um rio de provocações sensoriais sem conteúdo, sem construção, cujo êxito é abandonar-se a um frêmito. A alternativa na vida é entre a resposta ao Mistério, que somos chamados a dar, e o viver segundo a lei do “eu acho e gosto”. A tarefa que nos foi dada é para nós e, como exemplo, para o mundo; essa tarefa é para o mundo. Cristo, único, morreu para recordar ao mundo o fato do Pai; assim, mesmo que sejamos poucos, nós fomos chamados a esta tarefa de recordar ao mundo. Não há meio termo entre a tarefa e o “acho e gosto”.
Na noite do Sábado Santo acontece o Fato que salva a existência humana do confuso frêmito ao qual pareceria destinada e a eleva em direção a uma tarefa festiva: e como é grande Korsakov a nos conduzir da incerteza inicial (o clima profundamente dramático que abre a peça) à exaltação do cumprimento (o exuberante final)!
A realidade já está na mão dAquele que a venceu, que a reconquistou para Si; toda a realidade é criatura Sua, tanto que o significado de toda a realidade é a Sua Pessoa. Tudo consiste nEle. A nós toca a tarefa de mostrá-Lo a todos, de afirmá-Lo, porque é algo que está aqui; como o motivo inicial de A Grande Páscoa Russa de Rimsky-Korsacov que, retomado continuamente, permeia e unifica toda a composição, dá significado a todos os fragmentos de melodia, que são todos os impulsos do homem.
Não somos partes sem sentido, a nossa vida não é um engano! Aquilo que começou na nossa vida é uma construção, como essa grandiosa música. E é o relacionamento com o Mistério, o relacionamento com o destino, o relacionamento com a felicidade que nos torna radicalmente originais, como um mundo totalmente diverso, neste mundo. Que tudo seja reunido em uma unidade inconfundível, em uma harmonia, em um canto, em uma sinfonia: isso é, verdadeiramente, um outro mundo.
Como nessa peça de Rimsky-Korsakov, resplandecente de luzes e de cores, tudo é ordenado a um propósito, a uma beleza, assim na nossa vida penetrou aquilo que dá significado e finalidade a tudo, que recria uma harmonia.
É uma companhia que, antes de tudo, abre essa perspectiva. É uma companhia para o mundo, é uma companhia que se abre assumindo as próprias perspectivas de Cristo, isto é, a redenção do mundo, a salvação do mundo, gritar a verdade do mundo, gritar a felicidade que aguarda o mundo, gritar aquilo do qual o mundo é feito e gritar o destino do mundo, como o motivo musical repetido e amplificado que pouco a pouco invade e determina tudo.
É este povo que carrega o significado da vida de todos os povos, aliás, de toda a realidade.

Notas:
[1] CHIERICI, Sandro; GIAMPAOLO, Silvia (orgs.). Spirto gentil: un invito all’ascolto della grande musica guidata da Luigi Giussani. Milano: BUR Rizzoli, 2011, pp. 330-331.

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