sexta-feira, 10 de abril de 2015

Qual é o caminho certo para emagrecer? Aprendendo com a sabedoria monástica

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Os antigos monges do deserto já diziam: não basta esforçar-se para mudar um comportamento, é preciso, antes, mudar o “pensamento”.

Quem tentou emagrecer muitas vezes, sabe que não adianta esforçar-se durante um curto período para fazer dieta, pois é só uma questão de tempo para voltar a engordar. Muitos estudos mostram que quanto mais rápida e mais rígida é a dieta e, consequentemente, a perda de peso, maior é o ganho de peso logo em seguida. Assim, qualquer dieta restritiva tem um efeito de curta duração. Não há a dieta milagrosa. Esta pode até emagrecer rapidamente, mas não tem efeito em longo prazo...
Descobriu-se também que um bebê, já no ventre materno, pode viver num ambiente obesogênico, devido à alimentação inadequada da mãe, especialmente quando esta come muitos doces, salgadinhos, sorvetes, biscoitos recheados, refrigerantes e achocolatados. Esta criança terá muito mais facilidade para engordar após o nascimento e um apetite voraz por esses produtos industrializados. Por isso, os olhos dos cientistas e clínicos voltam-se cada vez mais para o ambiente intrauterino e para um acompanhamento pré-natal adequado. E quando se trata de crescimento intrauterino adequado, o organismo humano é muito preciso: nem muito nem pouco; e por isso o ganho de peso materno por volta de 10 kg é o fiel da balança. Sabemos que os primeiros mil dias da criança poderão definir a sua saúde até o fim da vida.
O que fazer? O tratamento da obesidade tem sido o principal desafio da área da saúde na atualidade, ao mesmo tempo em que esta doença tem crescido enormemente, e tornou-se o problema de saúde pública mais importante no mundo. Hoje mais de um terço da humanidade está com excesso de peso. 
Comer é a primeira paixão que tem por finalidade a garantia da vida. Mas por ser uma “paixão” pode se transformar num gesto obsessivo que domina o ser humano, sua mente e ações no cotidiano, tornando-o escravo, fazendo-o perder o controle da própria vontade [1]. Comer pode, então, tornar-se um vício. Os antigos gregos afirmavam que o vício da gula reside no medo da própria vida estar ameaçada, da falta de segurança e ansiedade decorrentes, e diziam que a solução está num trabalho ascético direcionado pelos pensamentos. 
Os antigos monges, filhos dos filósofos gregos, diziam que este trabalho ascético precisa iniciar-se nos pensamentos antes que numa mudança de comportamento ou atitude. Um apoftegma muito apropriado diz a esse respeito:
Seja o porteiro do seu coração e não deixe entrar nenhum pensamento sem interrogá-lo. Interrogue cada pensamento individualmente e diga-lhe: você é um dos nossos ou um dos nossos adversários? Se for de casa, vai enchê-lo de paz. Mas se for do inimigo, vai perturbá-lo pela raiva ou provocá-lo pela cobiça [2] 
No best-seller Acabar com o comer em excesso que em 2009 vendeu milhões de cópias nos Estados Unidos, David Kessler descreve algo muito semelhante a esse “trabalho” com os pensamentos:
Se você não consegue tirar da sua cabeça um pensamento involuntário (sobre comer aquela coisa gostosa), você pode consegui-lo se aprender respostas mentais que aquietam esse estímulo. Repetir para si mesmo esses pensamentos faz com que essa “urgência” desapareça. Aqui estão possíveis respostas mentais para os pensamentos sobre comida:
  • Comer aquela comida vai me satisfazer apenas momentaneamente.
  • Comer isso vai me levar a ficar preso ao ciclo de sempre: vejo – quero ansiosamente – é uma recompensa momentânea.
  • Comer isso vai me deixar preso numa armadilha: na próxima vez que me encontrar nessa situação, vou querer de novo fazer isso.
  • Comer isso vai me fazer sentir-me mal.
  • Se eu comer isso, estarei demonstrando a mim mesmo que não consigo romper o ciclo e ser livre.
  • Eu vou ficar mais contente se não comer isso.
  • Eu vou estar menos pesado amanhã se não comer isso. [3]

Ele diz ainda que “você pode tentar olhar para palavras ou frases para tê-las em mente e você pode lembrar-se delas quando você precisar resistir a um estímulo. Repetir para si mesmo ‘eu tenho controle (das minhas atitudes ou gestos)’ ou ainda, ‘eu sou uma pessoa saudável que faz escolhas saudáveis’ pode ser surpreendentemente útil” [4].
Há ainda uma outra máxima monástica fundamental: o ser humano só se move adequadamente quando se co-move por um ideal. No Prólogo de sua regra, São Bento cita o único motivo adequado para a mudança de vida que propõe: “Qual é o ser humano que quer a vida e deseja ver dias felizes?” [5] É dessa regra de vida que surge a civilização ocidental, apoiada na busca da felicidade e liberdade. E para os monges o primeiro passo era exatamente o cuidado com a alimentação, pois esta é a primeira paixão.
Emagrecer, portanto, não pode ser consequência da simples execução de uma dieta, mesmo se associada a um outro comportamento: o exercício físico (que também pode viciar). Emagreceremos e nos manteremos saudáveis, na medida que ocorrer uma mudança de vida, uma mudança na maneira de se conceber, e se tivermos diante dos olhos a busca de um grande ideal que nos dá esperança.
São Bento justamente nos exorta logo em seguida: “Se queres ter a vida verdadeira e eterna, preserva a tua língua do mal e não profiram os teus lábios palavras enganadoras, desvia-te do mal e faze o bem; procura a paz e segue-a” [6].

Ana Lydia Sawaya

Notas:
[*] Pintura representando monges beneditinos da Abadia de Evesham.
[1] SAWAYA, Ana Lydia; LEANDRO, Carol Góis; WAITZBERG, Dan L. (org.s). Fisiologia da Nutrição na Saúde e na Doença: da biologia molecular ao tratamento. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Instituto de Estudos Avançados da USP e Ed. Atheneu, 2013.
[2] PÔNTICO, Evágrio. Carta II.
[3] KESSLER, David A. The end of overeating: taking control of the insatiable american appetite. New York: Rodale, 2009.
[4] Ibidem.
[5] REGRA DE SÃO BENTO. Abadia de Santa Maria: Grafa Editora, 2004.
[6] Ibidem.

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