quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Só o maravilhamento conhece

Quando nos aprofundamos no relacionamento com o que nos é dado, descobrimos o Mistério, aproximamo-nos da perfeição... Para isso, antes, é necessário um maravilhamento que nos abre para a realidade.
 
 
 
 
Por Luigi Giussani
 
Quando escuto a Sonata para arpeggione e piano, de Schubert, não posso fazer menos do que desejar que o desenvolvimento do caminho de cada homem alcance a mesma perfeição expressiva – harmônica e melódica – dessa obra-prima [1].
É raro escutar uma peça musical mais bela e mais completa do que essa composição. A música, tão intensamente carregada e vibrante de doçura, sem nenhuma pretensão de impressionar, desenvolve-se discretamente, aceitando nascer daquilo que existe, quase obedecendo a algo além do fluxo dos pensamentos e dos sentimentos do compositor. E, justamente nessa obediência, no amoroso aprofundar-se do relacionamento com aquilo que é dado, Schubert descobre o Mistério e se aproxima da perfeição.
Assim, o percurso do músico se torna metáfora da aventura humana; cada um de nós é feito para que aquilo que Deus pede da sua vida – a vida como vocação – alcance uma perfeição de harmonia e melodia. De que pode nascer a alegria se não dessa obediência? Porque a harmonia é uma obediência, ao nível de liberdade, de inteligência e de amor, a harmonia é uma obediência. Quem reconhece aquilo para o qual é feito, quem deseja a perfeição da sua vida, pede-a, segue-a, obedece-a. E, de fato, o que é o segundo movimento dessa Sonata, se não apaixonado e tenaz pedido?
Imagino Schubert tendido à beleza e à perfeição naquilo que escrevia, disponível ao verdadeiro e ao belo. E qual atitude do homem é reveladora dessa disponibilidade, que é também o único modo para conhecer verdadeiramente? Em primeiro lugar, o maravilhamento. O maravilhamento é o olhar contemplativo, é a consequência do único modo de abraçar verdadeiramente um fato, um acontecimento, um encontro. “Os conceitos criam os ídolos, só o maravilhamento conhece”, dizia um Padre da Igreja dos primeiros séculos. E, de fato, é só abraçando o verdadeiro e o belo que a nossa pessoa se constrói. A personalidade é dada pela consciência da finalidade, por um juízo sobre as coisas, pela consciência do relacionamento das coisas com a finalidade e pela liberdade como adesão, como energia que faz aderir à finalidade da própria ação. Sempre que nos vem em mente de escutar a Arpeggione, tentemos nos identificar com a genialidade realizada de Schubert, desejando que, analogamente, o desenvolvimento da nossa personalidade alcance a perfeição expressiva à qual é chamada.
 
Notas:
[1] CHIERICI, Sandro; GIAMPAOLO, Silvia (orgs.). Spirto gentil: um invito all’ascolto dela grande musica guidati da Luigi Giussani. Milão: BUR Rizzoli, 2011, p.213 e 214.

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