Nestes tempos em que
também no Brasil se debate o uso das armas de fogo e estamos ainda
profundamente marcados pela tragédia ocorrida na escola de Suzano, vale a pena tomar
conhecimento de algo que ocorreu há poucas semanas numa cidade americana.
Devon Erickson, de 18
anos, e Maya McKinney, de 16 anos foram presos pelo tiroteio ocorrido no inicio
de maio no STEM School Highlands Ranch em Denver, Colorado, resultando em um
morto e oito feridos. Há vinte anos, em Columbine, uma escola longe apenas
alguns quilômetros, 12 estudantes e um professor foram massacrados por dois
meninos armados que conseguiram ferir outros 24 antes de cometer suicídio.
Poderia ter ocorrido um
massacre análogo, desta vez também, mas não aconteceu: porque em Denver algo,
grande e inesperado, aconteceu: um menino, Kendrick Castillo, ao ver seus
colegas Devon e Maya entrar na sala de aula com uma arma, jogou-se sobre eles,
protegendo seus companheiros e assim permitindo que se escondessem atrás das
mesas ou fugissem. Kendrick morreu dando a vida para salvar seus amigos.
Qual foi a mola que levou Kendrick a se atirar, armado
apenas com carne e osso, contra a arma apontada por dois garotos como ele?
Pergunta-se a jornalista
Caterina Gioielli: “Quando acontecem fatos como este, tentamos entender o que
aconteceu, qual é a mola que acionou o dedo dos dois garotos no gatilho de uma
arma; mas se cada momento de um menino é sua história e sua liberdade, qual foi
a primavera que levou um menino a dar sua vida, um significado entre o momento
e o todo?” (1).
Na noite após o tiroteio,
numa vigília com mais de mil jovens presentes, Brendan Bialy, que junto com
outro estudante ajudou Kendrick a confrontar os atiradores, comentou:
"Quem entrou no edifício com um plano maligno e com absoluta covardia,
tentando nos pegar de surpresa e com armas, perdeu de qualquer maneira. Eles tiveram
que se render a pessoas boas”.
A atitude de Kendrick,
que o levou a dar a vida pelos outros, não foi surpresa para quem o conhecia.
Conta o pai de Kendrick, John Castillo, numa entrevista ao Denver Post:
"Eu gostaria que ele tivesse corrido para se esconder mas não era do
estilo dele: proteger as pessoas, ajudá-las, isso estava em suas cordas".
Doce, simpático, engraçado, alegre: estas são apenas algumas das palavras
usadas por professores e colegas de classe para descrever esse menino que estava
prestes a se formar em tecnologia e robótica: "se alguém chorava ou estava
com problemas, aqui estava Kendrick correndo para falar com ele”.
Mas onde Kendrick
aprendeu esse modo tão verdadeiro de viver a experiência humana? Ele participava
ativamente da vida da comunidade cristã de sua cidade: era coroinha na igreja,
ajudava na cozinha e servia refeições durante os encontros das escolas
católicas. Os amigos o viram carregando pesadas caixas de frutas, organizando
almoços para os idosos, recitando o papel de Jesus na hora da religião. Certa
vez, o pai ao conversar com Kendrick sobre a possibilidade de enfrentar uma
pessoa armada, lhe disse "você não deve fazer atos heroicos".
Kendrick sorriu para o pai dizendo que não pensaria duas vezes antes de salvar
alguém em perigo: "você me criou assim, você me fez uma boa pessoa". Ele
não realizou um ato heroico, mas viveu de modo heroico o cotidiano, de modo que
o cotidiano se tornasse heroico.
Nesse período, no Brasil,
os cidadãos dentre os quais muitos cristãos e católicos, discutem a pertinência
da legislação que amplia dotar mais amplamente a população de armas para sua
defesa e se dividem em facções que assumem posturas que mais parecem ditadas
pela ideologia ou pelo medo, do que pela razoabilidade.
É importante que
reconheçamos, através do testemunho de Kendrick, a indicação da posição
autenticamente cristã diante do problema. Não se trata de pensar em defender-se
e de agir determinados pelo medo da violência, mas de afirmar o valor absoluto da
vida humana assim como o próprio Cristo fez: “dando a vida para seus amigos”, dando
a vida para o mundo, quando for necessário. No testemunho de Kendrick, não há
nenhuma dúvida a respeito, mas somente brilha a certeza de uma RAZÃO maior.
(1) Tempi, 11 maggio 2019 https://www.tempi.it