terça-feira, 10 de março de 2015

O debate sobre o impeachment


As manifestações iniciadas com o movimento contra o aumento das tarifas, em 2013, sinalizaram uma crise social. O escândalo do “petrolão”, em 2014, uma crise de ética da vida pública. E o ajuste financeiro proposto pelo governo, no início de 2015, uma crise econômica. Agora, as manifestações pró-impeachment apontam para o agravamento da crise política. É inútil o governo tentar explicar estas manifestações como “manobra da oposição”. A oposição a uma presidente eleita com apenas 51,6% dos votos válidos não é apenas um grupelho político. Dilma, para ter legitimidade com uma diferença de votos tão pequena, tem que demonstrar ser capaz de ser a governante de todos os brasileiros – e não só de seus eleitores – mas parece que está fazendo exatamente o contrário.
As manifestações populares de protesto são uma legítima expressão do descontentamento da sociedade e o governo tem a obrigação de responder a elas, não convocando “o exército do Stédile”, mas mostrando capacidade de superar os escândalos de corrupção, a incerteza sobre os rumos da economia e os fiascos no Congresso. Sem isso, a situação ficará cada vez mais insustentável para todos.
Quando pensamos na atual proposta de impeachment da presidente Dilma, temos que distinguir três questões diferentes no processo. Em primeiro lugar, existem acusações suficientes para um impeachment? Tudo indica que sim e esta é a posição de muitos juristas e da população que clama pela impugnação do mandato da presidente. Mas, em segundo lugar, existem evidências mínimas que justifiquem a abertura de um processo de impeachment? Esta é uma pergunta mais difícil, pois implica em análise de um grande conjunto de fatos que ainda se encontram sob investigação. E por fim, em terceiro lugar, existe um caminho alternativo para a política e a governança nacional, caso o impeachment aconteça? Temos que reconhecer que este caminho alternativo (que não implica em impugnação do mandato, mas sem dúvida implica num modo diferente de fazer política) ainda não está dado e sua construção é a grande tarefa política do momento.
O impeachment em si não é uma solução. É triste ouvir que o “impeachment é um processo político”, isto é, está sujeito não à justiça e aos fatos, mas aos rumos do jogo de poder. É triste porque mostra o quanto nossa política está longe da construção de um ideal, o quanto os interesses pessoais e as conveniências de momento estão acima da construção do bem comum e da afirmação da verdade. Um processo político reduzido a luta do “nós contra eles”, a confronto entre interesses particulares antagônicos, não conseguirá construir o bem comum – termine ou não em impugnação do mandato.
O impeachment de Collor, em 1992, foi um marco importante para a política nacional não porque um grupo venceu outro, mas porque marcou um momento de unidade popular e uma decisão firme da Nação inteira de superar as mazelas daquele momento. O processo político que aí se iniciou, e no qual vivemos de certa forma até hoje, não foi perfeito, nem poderia ser, mas criou as bases para um Brasil melhor. Com ou sem impeachment, é esta unidade e esta decisão pelo bem comum que precisamos recuperar no momento atual.
É o diálogo e o encontro entre aqueles que perseguem o ideal do bem comum que constrói uma nova sociedade, não a raiva e a frustração de alguns, nem o poder e as manipulações de outros. Reconhecer os próprios erros, buscar o diálogo e respeitar as diferenças são elementos essenciais neste momento a serem exigidos em quem gerencia o poder do Estado. Terá sido este o caminho tomado pela presidente Dilma em seu último pronunciamento à Nação, no domingo, 8 de março? Ao mesmo tempo, viver este diálogo e este encontro é o desafio de todos nós no momento atual. Para reconstruir uma confiança na política e reafirmar seu dever de servir a população e respeitar a ética punindo quem a infringe, não basta a reação de protesto, mas é necessária a construção de possibilidades reais e positivas que se façam visíveis no cenário nacional.


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