terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Nós somos judeus

27/1/2015 - Na comemoração dos 70 anos de libertação do judeus de Auschwitz.

Por Luigi Giussani

Pio XI, a quem fora evidentemente mandado por Mussolini para pressionar que a Igreja favorecesse as leis raciais de Hitler, responde: “Nós somos espiritualmente judeus” [1]. É necessária uma leitura culturalmente primorosa para chegar a falar assim. Seja como for, o relacionamento entre o povo cristão e a realidade hebraica, culturalmente ou não, no hoje da história, é perfeitamente representado pela expressão usada por Pio XI.
(...)

Os judeus levantaram um grito, fazendo com que todo o mundo entenda, através do martírio do Holocausto, o absurdo sacrifício suportado por todos. E para nós agora, a história hebraica até Jesus sustenta uma concepção de homem, de seu destino, dos relacionamentos com o mundo, e o nosso povo pode reconhecê-la profeticamente analógica à sua própria história. O Holocausto se tornou uma pedagogia para todos os cristãos. Como marco doloroso e injusto, a Shoah é proposta – pela mais fervorosa cultura hebraica – como argumento cardial também para a humanidade. Assim, para nós, cristãos de hoje, mais do que nunca é correta a analogia entre as vicissitudes de Cristo e o sentido do Holocausto. Para nós, a pedagogia divina através do povo judeu tende a nos ensinar –como supremo fator do bem-estar social – a concepção de Deus único bíblico, criador e Mistério, que no tempo delineia um projeto através do qual todo o mundo toma uma dinâmica de onde brota a busca de felicidade e realização; Deus, o único, o totalmente Outro é ao mesmo tempo sentido do tempo e Senhor da pessoa, firme ao julgar os poderosos e os caminhos do homem; o Deus único presente sobre a terra através do Templo (“Virei até vós no templo”), não somente como símbolo do divino, mas como o lugar em que Ele participa da existência concreta do homem, criando o seu povo. E assim, o Tempo permanece o lugar supremo para todos os tempos e espaços da história humana. Para afirmar Deus e este Templo (todos os homens devem fazê-lo!) um povo vem a ser eleito: aquele que nasce de Abraão, pelo qual a pessoa vem a ser criada para a salvação do mundo, com uma tarefa identificável com a tarefa do povo mesmo. Este povo a quem Deus dá corpo na história para dilatar o conhecimento do próprio Mistério em todo o mundo e em todos os tempos, “entre todas as nações”, encontra empenhada a palavra na sua visão de fim da história em que o povo mesmo se encontrará no dia de Deus, comparável às promessas a que os judeus devem corresponder com sua fidelidade de espera. É a espera de algo que salve o homem e a humanidade, isto é, a liberte do fato significativamente primeiro da história do homem que prevê, pelo pecado original, uma fadiga da liberdade diante de Deus. E, portanto, dor e destruição. Assim a grandiosa leitura profética assinala o ponto fundante e a profundidade possível da consciência do judeu a caminho.
O sujeito daquele “grande dia” tão esperado foi identificado nos termo “servo de Javé” ou “Messias”. A consciência de um cristão investida pela tradição não pode deixar de identificar o próprio existir nessa história. Como poderia ser diferente? Para nós, o Mistério quis intervir na tragédia do homem dentro do cosmos, tornando-se homem. Jesus de Nazaré, para nós, é o cumprimento da espera em que todo o povo de Israel vivera, único na história do mundo. Mas não é uma presunção a nossa, e sim uma comparação surpreendente, pela qual a nós – pobres homens comuns – o Mistério daquela pessoa se comunicou, de tal modo que olhando a história como chegou até nós, comparando com a história dos judeus, seremos sempre felizes aos pedir a nossos irmãos judeus que perdoem nossa certeza, enquanto a eles está continua reservada a tarefa de carregar  pondus diei et aestus [2] – isto é, todo o peso da história – na vida. Mas a fadiga da fidelidade na espera de Deus se realiza também como cruz na vida dos que creem.

Publicado no La Repubblica, no dia 2 de janeiro de 1999.

Notas
[1] Cf. Pio XI. “Discurso a uma peregrinação belga”, 1938.
[2] Mt 20,12.

Texto original, em italiano, na íntegra, disponível aqui.

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