sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Uma corda que canta

Em tempos de crise - econômica, política... mas, sobretudo moral -, Giussani, ao falar de duas obras de Heitor Villa-Lobos, acaba nos propondo um caminho de juízo: "A estética é um relacionamento, é um meio com o qual o Criador nos faz alcançar a sua ética. Alguém que não tem sensibilidade não tem ética. A beleza é o esplendor da verdade e a verdade é o esplendor do Pai. Só um fascínio de beleza move, comove. Sem estética, sem o choque estético, não é possível caminhar em direção à perfeição, amar a perfeição."
 
 
 
Por Luigi Giussani

Frequentemente ouço, sem me cansar, o Prelúdio n.1 e o Estudo n.11 de Villa-Lobos [1]. Dizem a mesma coisa, mesmo sendo peças diferentes: mais viva a primeira e mais dramática a segunda.
A primeira peça, apesar de sua brevidade, diz muitas coisas através da valorização e do uso doloroso do próprio pedido, fazendo ouvir de novo o tema, através da repetição da fórmula – e a segunda vez não é a mesma coisa, é muito mais doloroso, é como a confirmação do próprio ser triste. Mas, como sempre dissemos, é melhor ser tristes que desesperados.
Comparei este Prelúdio ao quarteto A morte e a donzela, de Schubert, porque se intui que deve haver uma tragédia, especialmente atrás do primeiro motivo, bem reconhecível pelo fato que há uma corda que “canta”. É o canto doloroso do coração que, no silêncio, transborda, como lágrimas que aliviam o ânimo. E, depois, no meio, com o ânimo atormentado, acontecem os imprevistos, as correrias que se faz, as hipóteses que se realizam: são breves, breves, sem consideração e sem repetição. Mas aquilo que é dito é uma coisa só. O único tema é o tema da vida, é algo vivo. Além disso, repetido, existe só a morte, especialmente no final. A morte também faz parte da definição da vida: para entendê-lo bem é necessário ter “estudado” Schubert ou o Stabat Mater de Dvorak.
O Estudo n.11 retoma esse tema e vai além. Essas duas peças, de estruturas tão diferentes, têm o mesmo pensamento, dentro de duas experiências diversas. Aqui o tema se faz acompanhar no início e no fim, não há repetição da fórmula, o desenvolvimento é vertical; o desenrolar do discurso, depois, aprofunda a labuta do ânimo, penetra no íntimo da dor e o atravessa. É uma composição impressionante, também porque faz entender bem o que é a arte do violão: são seis cordas que se fundem e se tornam como a miragem de uma única beleza. Penso que o melhor modo de ouvi-la é surpreender o que ela produz em nós, e a reverberação em nós mesmos, em mim, é a evidência e o fascínio de uma Beleza.
A arte abre o caminho para a estética, ou seja, é um produto da estética. A Beleza é um Outro que se comunica; na arte, na beleza de como se usa as palavras, os sons, o homem tem uma percepção do Ser maior do que sua capacidade de reflexão lógica, porque naquele momento o Ser se comunica sinteticamente como uma experiência de beleza. Como diz o cardial Ratzinger: a Igreja perdeu muito porque não consegue mais comunicar aos homens a beleza como caminho para a verdade.
A estética é um relacionamento, é um meio com o qual o Criador nos faz alcançar a sua ética. Alguém que não tem sensibilidade não tem ética. A beleza é o esplendor da verdade e a verdade é o esplendor do Pai. Só um fascínio de beleza move, comove. Sem estética, sem o choque estético, não é possível caminhar em direção à perfeição, amar a perfeição. A estética é um choque por isso você tende de uma parte, de uma mesma parte. É uma medida que lhe dá o Espírito criador, como Criador.
Quando você ouve uma música assim, que é uma autêntica beleza, entende que Deus está lhe dizendo: “Olha que existo, estou aqui, estou aqui”.
 
Notas:
[1] CHIERICI, Sandro; GIAMPAOLO, Silvia (orgs.). Spirto gentil: um invito all’ascolto dela grande musica guidati da Luigi Giussani. Milão: BUR Rizzoli, 2011, pp. 384-386. Traduzido sem revisão dos autores por Fábio Henrique Viana.

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