terça-feira, 12 de junho de 2018

A Doutrina Social da Igreja: o princípio da subsidiariedade


Na sequência de nossas postagens sobre a Doutrina Social da Igreja (DSI), abordaremos, neste post, o princípio da subsidiariedade. É importante que, como cristãos católicos, estejamos bastante conscientes do conjunto de critérios fundamentais que a DSI pode representar para, nesse momento que, como nação, estamos passando, sermos capazes de uma decisão mais adequada no pleito eleitoral deste ano.
Comecemos com a questão-chave: do que se trata este princípio formulado, pela primeira vez, pelo Papa Pio XI, na Encíclia Quadragesimo anno? Em linhas gerais, a subsidiariedade pode ser resumida como sendo o princípio segundo o qual se "proibe superar as competências" e se "obriga a prestar ajuda". Como? Em que circunstâncias? Numa sociedade, cada um dos grupos sociais menores tem sempre a primazia na resolução dos problemas inerentes à própria vida. Os níveis imediatamente superiores só assumem alguma competência dos grupos menores quando estes últimos não estiverem em condições de resolver um problema. Assim, por exemplo, "quando uma família tem problemas, o Estado só pode intervir se a família ou os pais são impotentes para encontrar a solução" [1]. Assim, ainda em resumo, o princípio da subsidiariedade fortalece a liberdade dos indivíduos, dos grupos e associações e impede o excesso de centralização.
É interessante observar, a partir disso, a relação com o princípio fundamental sobre o qual tratamos no último post (clique aqui). Com efeito, o fortalecimento das iniciativas pessoais representa um aspecto significativo da dignidade da pessoa humana, na medida em que poder ajudar-se a si mesmo é fundamento de dignidade. Vejamos o que diz o Compêndio da Doutrina Social da Igreja:
A subsidiariedade está entre as mais constantes e características diretrizes da doutrina social da Igreja, presente desde a primeira grande encíclica social. É impossível promover a dignidade da pessoa sem que se cuide da família, dos grupos, das associações, das realidades territoriais locais, em outras palavras, daquelas expressões agregativas de tipo econômico, social, cultural, desportivo, recreativo, profissional, político, às quais as pessoas dão vida espontaneamente e que lhes tornam possível um efetivo crescimento social. É este o âmbito da sociedade civil, entendida como o conjunto das relações entre indivíduos e entre sociedades intermédias, que se realizam de forma originária e graças à "a subjetividade criativa do cidadão". A rede destas relações inerva o tecido social e constitui a base de uma verdadeira comunidade de pessoas, tornando possível o reconhecimento de formas mais elevadas de sociabilidade. [2]
Vale ressaltar que, para além do mais evidente caráter econômico do princípio, a subsidiariedade se aplica também e especialmente à esfera política, de forma que, por exemplo, os Estados Nacionais - com sua história, tradições, cultura, valores - têm precedência sobre decisões emanadas das Nações Unidas.
No entanto, Ramalhete (2017) lembra que este princípio é uma "pedra de tropeço", sendo negado quase que na totalidade das sociedades modernas, em que é frequente se ver políticos assumindo poderes que pertencem fundamentalmente aos grupos sociais menores, como as famílias, os bairros etc. Segundo ele,
Quando um burocrata na capital do país que decide como os salários podem ser pagos em toda a vasta extensão de um território nacional, temos evidentemente um caso de abuso de autoridade. O mesmo vale para a educação dos filhos, em que o governo pode ajudar, mas que continua sempre responsabilidade dos pais. O mesmo ainda ocorre com o gerenciamento interno das sociedades civis, comerciais e religiosas; o Estado  não tem o direito de imiscuir-se nas regras internas de um clube, de coibir o funcionamento de uma firma honesta ou de determinar o que pode ser pregado num grupo de oração. O dono do problema, aquele a quem competem essas responsabilidades, é quem está muito mais próximo. [3]
A esse respeito, São João Paulo II, na Encíclica Centesimus annus, escreve:
Ao intervir diretamente, irresponsabilizando a sociedade, o Estado assistencial provoca a perda de energias humanas e o aumento exagerado do setor estatal, dominando mais por lógicas burocráticas do que pela preocupação de servir os usuários com um acréscimo enorme das despesas. De fato, parece conhecer melhor a necessidade e ser mais capaz de satisfazê-la quem a ela está mais vizinho e vai ao encontro do necessitado. Acrescente-se que, frequentemente, um certo tipo de necessidades requer uma resposta que não seja apenas material, mas que saiba compreender nelas a exigência humana mais profunda. Pense-se na condição dos refugiados, emigrantes, anciãos ou doentes e em todas as diversas formas que exigem assistência, como no caso dos toxicômanos: todas estas são pessoas que podem ser ajudadas eficazmente apenas por quem lhes ofereça, além dos cuidados necessários, um apoio sinceramente fraterno. [4]
Finalmente, fazendo eco às indicações concretas presentes no Compêndio da DSI, lembramos que o princípio da subsidiariedade corresponde a:
- o respeito e a promoção efetiva do primado da pessoa e da família;
- a valorização das associações e das organizações intermédias, nas próprias opções fundamentais e em todas as que não podem ser delegadas ou assumidas por outros;
- o incentivo oferecido à iniciativa privada, de tal modo que cada organismo social, com as próprias peculiaridades, permaneça ao serviço do bem comum;
- a articulação pluralista da sociedade e a representação das suas forças vitais;
- a salvaguarda dos direitos humanos e das minorias;
- a descentralização burocrática e administrativa;
- o equilíbrio entre a esfera pública e a privada, com o conseqüente reconhecimento da função social do privado;
- uma adequada responsabilização do cidadão no seu "ser parte" ativa da realidade política e social do País. [5]
Fica claro, uma vez mais, como é atual o conteúdo da DSI - que, como já dissemos, existe desde a Encíclica Rerum novarum, do Papa Leão XIII, de 1891 - e, sobretudo, como a consideração desse mesmo conteúdo pode ser critério suficiente para que, nas Eleições 2018, com a quantidade de "aspirantes a candidatos" à presidência da república, sejamos capazes de uma escolha que valorize o anseio profundo de Bem, Felicidade, Liberdade, Justiça, Verdade, Dignidade, Beleza de que o coração do homem é feito:
Os desejos que partem realmente do coração, aqueles verdadeiramente constitutivos, são desejos sem limites, têm um horizonte semelhante a um ângulo aberto para o infinito, porque visam, partindo de um ponto qualquer, à realização da pessoa inteira. [...] Qualquer resposta particular a uma necessidade deixa no homem um fundo de insatisfação, se ele não perceber nela uma correspondência com a totalidade da sua pessoa, se não constatar um progresso na caminhada rumo ao seu destino. Aquilo que torna tão infinito os desejos do coração do homem é o fato de o homem não poder se reduzir totalmente a seus antecedentes biológicos, químicos e físicos. [6]

Notas:
[1] CONFERÊNCIA EPISCOPAL AUSTRÍACA. DOCAT Brasil: como agir? São Paulo: Paulus, 2017, p. 99.
[2] PONTIFÍCIO CONSELHO "JUSTIÇA E PAZ". Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Vaticano, 2 de abril de 2004, § 185. Disponível em: <https://goo.gl/5dVfwD>. Acesso em 12 mar 2018.
[3] RAMALHETE, Carlos. Doutrina Social da Igreja: uma introdução. São Paulo: Quadrante, 2017, p. 115.
[4] JOÃO PAULO II. Centesimus annus. Vaticano, 1o de maio de 1991, 48. Disponível em: <https://goo.gl/fXHQnf>. Acesso em 10 jun. 2018.
[5] PONTIFÍCIO CONSELHO "JUSTIÇA E PAZ". Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Vaticano, 2 de abril de 2004, § 187. Disponível em: <https://goo.gl/5dVfwD>. Acesso em 12 mar 2018.
[6] GIUSSANI, Luigi. O eu, o poder, as obras. São Paulo: Cidade Nova, 2001, pp. 58-59.

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