segunda-feira, 9 de março de 2015

Publicar ou morrer: o drama do cientista brasileiro

 
A Ciência brasileira vive um momento dramático e que requer uma definição de rumo, com um número crescente de artigos publicados, mas com muito pouco impacto no cenário científico mundial, salvo raríssimas exceções. Estas exceções decorrem, em geral, de trabalhos de cientistas brasileiros que vivem no exterior ou têm forte participação em importantes equipes de pesquisa internacionais. Qual o caminho para mudar essa situação?
O verdadeiro cientista é aquele que se apaixona pela beleza da natureza, do ser humano, da mente humana, da alma; por uma realidade que vai da imensidão dos astros às nano partículas e ao bóson de Higgs (o elemento aparentemente primordial da matéria, recém descoberto). Platão ao explicar essa força, chamada por ele de eros ou amor por algo que existe, descreve-a como o desejo de entrar em comunhão, de possuir o objeto amado, conhecê-lo em profundidade.
Einstein (1981) cita muitas vezes essa experiência primordial. Eis um desses trechos: “Não me canso de contemplar o mistério da eternidade da vida. Tenho uma intuição da extraordinária construção do ser. Mesmo que o esforço para compreendê-lo fique sempre desproporcionado, vejo a Razão se manifestar na vida”[1]. Em um discurso em homenagem a Max Planck descreve:
O Templo da Ciência apresenta-se como um edifício de mil formas. Os homens que o frequentam, bem como as motivações morais que para ali os levam, revelam-se bem diferentes. Um se entrega à Ciência com o sentimento de felicidade que a potência intelectual superior lhe causa. Para ele, a Ciência é o esporte adequado, a vida transbordante de energia, a realização de todas as ambições. Assim deve ela se manifestar! Muitos outros, porém, estão igualmente neste Templo exclusivamente por uma razão utilitária e nada oferecem em troca a não ser sua substância cerebral! Se um anjo de Deus aparecesse e expulsasse do Templo todos os homens das duas categorias, o Templo ficaria bem vazio, mas, mesmo, assim, ainda se encontrariam homens do passado e do presente [2].

Quem são esses? Einstein, incluindo-se entre eles juntamente com seu amigo Planck afirma que uma das mais fortes motivações para uma obra científica, assim como artística, consiste na vontade de evasão do cotidiano com seu cruel rigor e monotonia e na necessidade de escapar dos nossos desejos instáveis. Essa vontade impele os seres sensíveis a buscarem a libertação da sua existência pessoal, para procurar o universo da contemplação e da compreensão objetivas como um citadino busca fugir do barulho da cidade e vai à busca de uma alta montanha para aí respirar uma atmosfera calma e pura.
Thomas Kuhn em seu livro A estrutura das revoluções científicas [3] afirma que há cientistas que fazem a Ciência Normal que poderíamos comparar àqueles que primeiro foram expulsos do Templo da Ciência de Einstein, mas que são necessários para pavimentar o terreno da ciência, sedimentar o conhecimento, tecer o mosaico do conhecimento crescente, acrescentando pequenos pedaços; e há aqueles que se sentem impelidos às altas montanhas, mas que nunca as escalam sem carregar na mochila um conhecimento sólido do que veio antes e uma boa dose de “crise”, pois o que se sabe até então não é suficiente e apresenta inconsistências para ele evidentes.  Esses são aqueles que mudam os Paradigmas; o mundo antes deles era um e depois deles outro, ou seja, eles causam uma revolução. Tal como os artistas estes cientistas criadores precisam ser capazes de manter uma “tensão essencial” que os focaliza no problema a ser resolvido. São em geral muito jovens e por isso, mais livres do conhecimento já sedimentado. Kuhn (1998) relata ainda que o novo paradigma muitas vezes surge de repente, no meio da noite e é um momento extraordinário. É necessário um mente aberta e sem pré-conceitos, uma grande liberdade diante dos condicionamentos da posição social, e a simplicidade de uma criança. A mudança de Paradigma se dá na grande maioria dos casos por um evento abrupto, não estruturado, semelhante à alteração de visão; não é uma dedução, fruto de uma análise ou interpretação, mas muito mais próximo a uma intuição. Os cientistas criadores são ainda amantes da filosofia, onde buscam as bases para a compreensão do novo de Paradigma e seu olhar depende da experiência que o ensinou a ver.
Assim, parece-nos claro que a Ciência brasileira ainda precisa aprender a formar os cientistas criativos, e nosso sistema de ensino precisa ensinar-lhes a liberdade e não entulhá-los de conhecimento já sedimentado achando que educação é sinônimo de informação e ciência é sinônimo de produtividade.
 
Ana Lydia Sawaya
 
Notas:
[1] EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 9.
[2] Idem, p. 59.
[3] KUHN, Thomas S. A estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.

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