quinta-feira, 25 de junho de 2015

Construindo o Brasil e a Educação da Pessoa


No último dia 13 de junho, o Núcleo Lux Mundi, em colaboração com o Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e o Grupo Philokalon, da UNIFESP, realizaram o evento "A construção do Brasil e a educação da pessoa", com a presença da fonoaudióloga Thamara Rissoni, do Coordenador do curso de Engenharia da Inovação (ISITEC) Marcelo Barroso e do fundador da Comunidade Aliança de Cristo Rei Edgar Eliakim Chieppa. A abertura da mesa foi feita pela Professora de Fisiologia da UNIFESP Ana Lydia Sawaya. E o encerramento foi realizado pelo Coordenador do Núcleo Fé e Cultura Francisco Borba Ribeiro Neto. Apresentamos a seguir o texto da abertura do evento.

Breve história da escola e da educação no mundo e no Brasil
A instrução primária no Ocidente foi, essencialmente, obra da Igreja Católica, realizada por padres, clérigos e monges. Estes últimos são também os principais responsáveis para a fundação das universidades no século 13, na Europa. Seus alunos eram chamados de clérigos e seguiam substancialmente a regra monástica enquanto estudavam.
No século 16, o Concílio da Igreja Católica, realizado na Itália, em Trento, propôs que as crianças deveriam aprender a ler e a escrever e, assim, a Igreja começou a fomentar a educação também para os mais humildes. Nessa época, nasceu e cresceu a atividade dos jesuítas, padres que se dedicavam, sobretudo, à educação e à construção de escolas no mundo e no Brasil. As primeiras escolas no Brasil foram fundadas por iniciativa dessa ordem religiosa. O primeiro colégio jesuíta foi fundado em 1554 no planalto de Piratininga por Padre Manuel da Nóbrega e o então irmão José de Anchieta, hoje santo e reconhecido como o grande apóstolo do Brasil. São Paulo foi a única cidade no Brasil fundada em torno de um colégio e com uma clara proposta educativa. As demais escolas foram fundadas nos séculos 17 e 18 e, até a expulsão dos jesuítas pelo português Marques de Pombal, eram apenas 17. Quem frequentava esses colégios não era mais do que 0,1 % da população brasileira à época. Essa breve história encontra-se no livro da Profa. Maria Luiza Marcílio: A história da Escola em São Paulo e no Brasil.
Já no século 19, foram criadas escolas públicas, mas eram poucas e não havia professores preparados. Assim, chegamos ao fim do Império, no final do século 19, sem nenhuma universidade. As únicas escolas de nível superior existentes no país eram as escolas de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, ambas criadas pelo rei Dom João VI quando transferiu a sede do Império português para o Brasil e veio morar aqui; e as escolas de Direito no Recife e em São Paulo no Largo São Francisco. E, no final do Império, foi criada, em 1827, a Escola Politécnica de São Paulo, com o objetivo de formar pessoas para governar o Brasil e já antevendo a tradição de desenvolvimento tecnológico e embrionário da indústria em São Paulo.
Assim, no início da República, em 1893, cerca de 80% da população brasileira era analfabeta. Quem introduziu a iniciativa de formar escolas para grupos populacionais específicos foram os imigrantes dos Estados Unidos que vieram ao Brasil após a Guerra da Secessão em 1860 e fundaram na cidade de Americana uma escola para americanos. Com o tempo, os brasileiros começaram a estudar nela e dessa iniciativa educativa nasce em São Paulo o Colégio Mackenzie de tradição protestante. Assim, São Paulo foi o primeiro estado a fazer uma revolução no ensino de base. Dentro desse mesmo espírito, nasce em São Paulo a Escola Caetano de Campos, uma escola normal de excelência e modelo de formação de professores, localizada na Praça da República.
A Universidade do Rio de Janeiro foi fundada apenas em 1920, a Universidade de São Paulo em 1934 e a Universidade Federal de São Paulo em 1994. Com esse relato sucinto é fácil perceber o quão pouco se deu importância à educação do povo brasileiro até o século 20! Há uma grande diferença com a história da formação dos Estados Unidos, por exemplo, cuja primeira universidade foi Harvard, que inicia suas atividades em 1636.
Hoje, apenas 12% dos brasileiros têm curso superior, a mesma proporção de analfabetos. O brasileiro tem em média 7 anos de estudo apenas. 
Mas, além desses dados sobre a história da escola e da educação, eu gostaria de olhar para a experiência educativa do povo brasileiro numa perspectiva mais ampla. É evidente, pela história que acabo de contar, que não há uma preocupação nacional e das autoridades que governaram o Brasil, seja no Império, como na República até o século 20, com a educação do povo brasileiro na sua totalidade. Embora presente, no início, a preocupação dos padres jesuítas com a educação dos índios e, depois, dos primeiros habitantes europeus da Terra Brasilis, esta iniciativa for abortada com a expulsão da Companhia de Jesus no século XVIII. Com a vinda do Reino de Portugal para o Brasil, a educação passa a ser visada apenas para a elite e, essencialmente, em Medicina e Direito. É interessante notar, nesse sentido, que a história de São Paulo se destaca grandemente das demais cidades do Brasil. 

O que é a educação?
Para olhar para a experiência da educação no seu sentido amplo, vou me basear num outro livro que temos discutido em nosso grupo Philokalon, na UNIFESP, e que está na origem da proposta desse encontro, que é o livro Educar é um Risco, de Luigi Giussani. Este autor, citando o educador alemão Jüngmann do início do século passado, diz que educar significa introduzir a pessoa do educando na realidade de forma integral, ou seja, levar em conta todos os aspectos do real e de forma integrada. De modo que ao educando seja apresentada uma hipótese explicativa do real que seja positiva. Esta hipótese explicativa da realidade precisa ser vivida pelo educador, portanto, não se trata de uma mera transmissão de conteúdo ou de informações, mas de uma vida que ele, educador, vive e propõe como hipótese a ser verificada, nunca imposta (por isso um risco) ao educando. Diz Jüngmann: a realidade jamais será verdadeiramente conhecida e afirmada se não for compreendida a existência de seu significado. Isso quer dizer que é necessário, para educar, que o educador seja um mestre de vida e não apenas um transmissor de conteúdos aleatórios e fragmentados em várias matérias desconectadas entre si. Este é o principal problema da educação brasileira: os educadores raramente são mestres ou têm, na estrutura escolar brasileira, oportunidade e espaço para sê-lo
Uma das coisas que mais prejudica a relação educador-educando, sobretudo na estrutura da escola pública, é a precariedade das condições em que ela vem ocorrendo desde a expansão do ensino público no Brasil. Assim, a falta de infraestrutura, a precariedade das condições de trabalho, os baixos salários, a baixa qualificação dos professores, dentre inúmeros outros problemas, leva à alta rotatividade de professores, às frequentes faltas (devido muitas vezes à sobrecarga de trabalho), às trocas de escola pelos professores e alunos durante o ano letivo, impossibilitando, assim, uma relação construtiva entre estes, e a impossibilidade de uma relação sistemática e construtiva com a família dos alunos. O professor é a figura socialmente designada para avaliar as qualidades, as capacidades dos alunos e essa avaliação determina a percepção positiva ou negativa dos alunos sobre si mesmos. Desse modo, a escola deveria ser um local irradiador de experiências educativas e positivas para a família e para o bairro. Não basta o professor cumprir um conteúdo pré-determinado, se não trabalhar dentro de uma rede com seus colegas, com possibilidade de oferecer não só ao educando, mas também à sua família, uma hipótese explicativa unitária e positiva da realidade. Um educador que só problematiza e depois diz ao educando “se vire” com toda essa matéria colocada na lousa, acaba por propor ao educando uma visão descoordenada, fragmentada e entediante da realidade. E é difícil nesse caso que este não se rebele.

As três diretrizes para uma experiência educativa 
Giussani diz que são três, as características necessárias para uma experiência educativa real:
1. Propor uma tradição que represente uma hipótese explicativa da realidade, que seja sólida, vivamente proposta e segura. Quem somos? De onde viemos? Por que vale a pena estudar? Qual é o caminho para ser feliz? Somos brasileiros: o que isso significa? Quais as características da nossa nação? Como cada um de nós pode ajudar a construir esse país onde vivemos? Quais os problemas da nossa nação? Como foi nossa história? Como descubro a minha tarefa no mundo e em especial no lugar onde vivo? Por que a vida vale a pena? O educador estabelece, portanto, uma relação educativa na medida em que propõe uma visão de mundo que a criança ou o jovem ao dar-se conta do real a sua volta, possa encontrar e verificar sua validade para si.
2. A segunda diretriz para uma experiência educativa dar certo é que a visão de mundo proposta pelo educador seja vivida por ele no presente e na própria vida. Somente nesse caso o educador torna-se uma autoridade real, reconhecida e não imposta a partir de uma disciplina. O educador deve saber dar as razões, possuir o significado da sua visão de mundo. Um educador que não se propõe também não consegue impor-se, nem com uma disciplina férrea. O jovem passa a não o levar à sério. Qualquer que seja a visão de mundo do educador, ela precisa existir e ser clara e este ser coerente com ela. Só assim, diante de uma proposta de vida explicitada claramente, o educando pode compará-la com a própria vida e criticá-la.
3. E esta é a terceira condição para que uma experiência educativa aconteça: a crítica. Giussani diz que a verdadeira educação deve ser uma educação para a crítica. Quem ama a criança coloca na sua mochila, sobre suas costas, aquilo que melhor experimentou na vida, aquilo que de melhor escolheu na vida. Mas a um certo ponto, e isso acontece por volta dos 10 anos de idade, a criança precisa pegar essa mochila, abri-la e olhar para tudo o que está lá dentro e dizer para cada coisa ali encontrada: “isso sim, eu gosto, me corresponde, isso não, não gosto, não quero”. A crítica, palavra grega que vem de crisis, ou seja, remexer dentro, é o último passo para que uma experiência educativa ocorra. Crítica, portanto, consiste em dar-se conta das coisas que vive e que outros vivem, do que encontrou no seu caminho; e este mecanismo fundamental de avalição e crescimento deve se dar sobretudo diante de quem, para o jovem, representa uma autoridade: primeiro seus pais e logo em seguida seus educadores. E qual o critério último que o educando carrega dentro de si, estruturalmente, exatamente porque é um ser humano? A exigência do belo, do bom e do verdadeiro.
Como isso pode ser vivido quando a família tem pouca incidência, é desestruturada ou não conseguiu ser um núcleo educativo para o jovem? Quando vivemos em um mundo cujos valores, modos de vida e pensamento estão calcados no individualismo, no consumismo, no olho por olho, dente por dente? Nessa situação, é praticamente inútil a escola querer reduzir seu papel e insistir em ser apenas um transmissor de conteúdos desconexos e fragmentados. A escola precisa tornar-se um espaço educativo que trabalha em rede e que estabelece um contato sistemático com a família e o bairro. Um lugar onde todos podem encontrar coisas belas, boas e verdadeiras.

Ana Lydia Sawaya

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