quinta-feira, 28 de abril de 2016

Formação de comunidades de leigos: quem é o responsável? A contribuição de Luigi Giussani

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Ressaltamos em nosso post do dia 4 de abril [1] a importância da contribuição das comunidades expressivas de experiências religiosas, em todas as religiões, para a renovação da política e da sociedade brasileira. Neste, desejamos citar brevemente as contribuições do P.e Luigi Giussani sobre um aspecto fundamental para a formação dessas comunidades: Quem é o responsável? Quais sãos suas características fundamentais do ponto de vista cristão? 
Partimos de uma pergunta: por que hoje, a contribuição de uma verdadeira religiosidade alimentada constantemente por comunidades vivas, parece ser tão pouco visível e consistente? Por que parece que a vida de tantas pessoas religiosas é cindida em duas partes: o âmbito da religiosidade privada ou dominical e o âmbito do mundo? Quase como se fossem dois mundos paralelos, quase nunca comunicantes? Ou, por outro lado, por que tantos leigos que realizam ações públicas a partir da própria fé ou constroem obras se sentem muitas vezes sozinhos? Sem dúvida há uma longa história e um ambiente cultural com certas características para chegarmos a essa situação; mas o que nos interessa é buscar entender como sair dessa dicotomia, pois nem Cristo, nem os apóstolos, nem tampouco as primeiras comunidades, ou os cristãos dos primeiros séculos, a viviam.
Giussani (2000), em seu livro O eu, o poder, as obras [2], assinala que, no momento histórico em que vivemos, marcado pelos excessos de um poder que desqualifica nossa humanidade, falta uma “sensibilidade humana vigilante”, capaz de corrigir os referidos excessos do poder quando este se corrompe, uma sensibilidade enraizada num pertencer a uma efetiva experiência de comunidade e por isso capaz de lutar pela liberdade. Por exemplo, entre os cristãos faltam experiências que tornem existencial o pertencimento à Igreja, como “o acontecimento de si no mundo, na sociedade”. Para tanto, ele afirma a necessidade de uma posição sempre renovada, aberta a recuperar o método da vida cristã. Segundo Giussani (2000), o que dá inicio a uma experiência comunitária, não é um discurso ou uma atividade, mas uma presença que se impõe e que provoca nossa vida, abrindo-a à promessa de um a-mais. É preciso, portanto, o encontro na vida real com uma pessoa não cindida. Onde a fé se expresse por um jeito de ser, antes que de fazer. Alguém que viva a serenidade, a paz que nasce da familiaridade com a oração. Que reconheça o Espírito presente e O siga. Além disso, essa pessoa será uma verdadeira autoridade na medida em que valorizar toda a riqueza que Deus desperta em qualquer pessoa que é verdadeira [3]. Somente se as pessoas se reconhecerem interpeladas por esta humanidade provocadora, é que poderão viver a responsabilidade, ou seja, responder seriamente à vida. Mas se, numa comunidade, ou numa sociedade, não se vive isto, a responsabilidade se torna obedecer passivamente às regras de uma organização, e identificarão a responsabilidade com uma pessoa possuidora de um projeto social e político, “um ídolo, um chefe de quem se espera tudo e a quem se presta um culto personalista” [4], e com quem se vive um apego sentimental. 
A construção de comunidades de leigos que vivam uma verdadeira religiosidade, garantida por responsáveis que sejam autoridades reais e não idolátricas, é, portanto, uma necessidade para qualquer nação que queira viver a liberdade e o crescimento do seu povo. A respeito disso Giussani afirma ainda, olhando em particular para os cristãos:

nós não temos nenhuma possibilidade de incidência sobre o mundo a não ser seguindo o mistério de Cristo que nos tocou por meio de uma modulação concreta, portanto, seguindo a concretude de certos homens e certo contexto, não por eles, mas pela perspectiva de Eterno do qual são sinais. [... Dessa forma], segue-se o mistério de Cristo ao se seguir esta pessoa e este contexto. Então, incrementa-se a pessoa e não a organização e torna-se presente no mundo o adulto, aquele que vive todos os relacionamentos à luz do destino, com aquela segurança e humilde espera que dá a qualquer caráter, apesar de tudo, uma doçura última cheia de fascínio [5].
Não será pela falta de formação de pessoas assim, que construam comunidades que sejam um tecido social sólido, que o Brasil padece? E, ao mesmo tempo, não é esse o motivo que leva tantas pessoas a correrem atrás de salvadores da pátria personalistas ou de presidentes semideuses? 

Notas: 
[*] GIOTTO. St Francis preaches in the presence of pope Honorius III, 1337.
[1] LUX MUNDI. No caminho para a renovação da política e da sociedade brasileira: a contribuição da religiosidade, 4 abr. 2016.
[2] GIUSSANI, Luigi. O eu, o poder, as obras: contribuições de uma experiência. São Paulo: Cidade Nova, 2000, p. 28.
[3] GIUSSANI, Luigi. Educar é um Risco: como criação de personalidade e de história. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2000, p. 99.
[4] GIUSSANI, Luigi. Educar é um Risco: como criação de personalidade e de história. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2000, p. 96.
[5] GIUSSANI, Luigi. Educar é um Risco: como criação de personalidade e de história. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2000, p. 103.

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