segunda-feira, 4 de abril de 2016

No caminho para a renovação da política e da sociedade brasileira: a contribuição da religiosidade


Muito se tem falado que o combate à corrupção no Brasil depende da educação. Mas que educação? Será que basta aumentar a escolaridade? Bom, os corruptos que estamos vendo por aí têm inteligência, pois conseguiram galgar muitos patamares sociais, e muitos também têm alta escolaridade. Isso não quer dizer que a escolaridade média do povo brasileiro não esteja muito aquém do aceitável para um país que deseja se desenvolver economicamente; mas o aumento da escolaridade não é suficiente para levar um povo a desejar não trapacear quando tem oportunidade, roubar mesmo em pequenas coisas que parecem ter pouca valia, deixar de ser egoísta e oportunista e só pensar no interesse próprio.

O caminho para amar o bem comum é bem outro. O se colocar a serviço dos outros com alegria e generosidade, trabalhar de forma correta e eficiente, e o amor pelo bom fruto do próprio trabalho são atitudes que nascem de uma outra fonte: uma religiosidade profunda. Mas o que é essa religiosidade profunda que São Bento, ao fundar há 1500 anos atrás “uma escola de serviço ao Senhor”, também chama de “conversão dos costumes”? 
MacIntyre, ao final de seu livro Além da virtude, na tentativa de compreender a crise contemporânea da ética e a falência das tradições políticas da Modernidade, retorna a um momento da história antiga “quando as pessoas de boa vontade se afastaram da tarefa de dar apoio ao imperium romano e deixaram de identificar a continuação da civilidade e da comunidade moral com a manutenção daquele imperium e resolveram “construir as novas formas de comunidade dentro das quais seria possível sustentar a vida moral”. Ao afirmar a urgência atual destas “formas locais de comunidade dentro das quais se possa sustentar a civilidade e a vida intelectual e moral durante a nova Idade das Trevas que estamos vivendo” (p. 440-441), MacIntyre evoca, justamente, a figura histórica de Bento da Núrsia, um dos protagonistas e líderes desse movimento. No início de sua Regra de Vida, São Bento explica seu intento e sua proposta de vida e nova comunidade da seguinte forma:
Qual é o homem que quer a vida e deseja ver dias felizes? Se a essas palavras responderes “Sou eu”, Deus te dirá então: Se queres ter a vida verdadeira e eterna, preserva tua língua do mal e não profiram os teus lábios palavras enganadoras, desvia-te do mal e faze o bem; procura a paz e segue-a. Quando tiveres feitos essas coisas, os meus olhos porei em vós e os meus ouvidos estarão atentos às vossas preces, e antes que me invoqueis, direi: ‘Aqui estou’. Que haverá de mais doce para nós, meus queridos irmãos, do que essa voz do Senhor a convidar-nos? Eis que na sua bondade o próprio Senhor nos aponta o caminho da vida.
A religiosidade profunda, única capaz de levar à conversão dos costumes e à construção de uma cultura integralmente humana, nasce livremente na pessoa que encontrou Deus e, por isso, experimenta que, na relação com Ele, está o caminho da sua felicidade. É fruto de um movimento livre para o bem porque a pessoa se sente segura num caminho onde ela já experimenta uma possibilidade real de felicidade. Faz o bem quem é feliz, diziam também os antigos filósofos.
É evidente para todos como tantos dos nossos políticos, empresários, juízes e até mesmo cientistas e artistas estão muito longe disso. Seria superficial esperar que leis e regulamentos, ou mesmo sistemas de governo, por mais eficientes que possam ser, sejam capazes de coibir suas atitudes tão distantes da busca do bem comum. Porque sempre haverá meios de forjar as regras e as leis. Da mesma forma, seria uma grande ingenuidade acreditar que basta mudar de partido ou de políticos para salvar o Brasil da corrupção que se tornou endêmica. Há ainda que dizer que os que foram eleitos (e o serão), de certa forma, representam a “moral do povo”, sendo parte dela. Giussani, em seu livro O eu, o poder, as obras, explica que a política é a forma última da cultura. Portanto, o ato político, representa a expressão última do agir, da cultura, de um povo. 
Assim, acreditamos que todas as igrejas têm uma responsabilidade importantíssima a cumprir no Brasil, pois delas, sobretudo, depende um trabalho de educação para uma verdadeira religiosidade capaz de levar à conversão real dos costumes e de colaborar para reconstituir o tecido cultural do país.
Como fazer? Este artigo deseja também debruçar-se, ainda que brevemente, sobre as várias possibilidades de caminho para essa educação. Por exemplo, no âmbito da Igreja católica, há uma necessidade premente de formação de comunidades de leigos que se encontrem periodicamente cada semana ou cada mês para compartilhar uma educação permanente à fé. Essas reuniões podem ser realizadas em muitos lugares: paróquias que se abrem para encontros à noite, ou nas casas das pessoas, nos clubes, nas escolas, nos locais de trabalho, nas universidades, nos hospitais, nas associações de bairro. São livres agregações de leigos e comunidades eclesiais que compartilham a discussão e compreensão de textos e livros que ajudem na educação à fé no cotidiano e na vida de família como: as cartas e encíclicas da Igreja, a vida dos santos, a história da Igreja, a doutrina social da Igreja, livros de espiritualidade. Além disso, essas comunidades podem ser lugares onde se aprende a rezar de acordo com as várias tradições, como por exemplo, a oração da liturgia das horas, a meditação das leituras da missa, a Lectio Divina (leitura meditada da Palavra), a reza do terço. São comunidades de amigos que podem chegar até a se aventurar na construção de obras sociais, ou associações da sociedade civil, e realizar juntos atividades de impacto social. Da mesma forma, sugerimos que outras comunidades de inspiração religiosa, cristãs ou de outros credos, como espíritas, budistas etc., façam o mesmo, seguindo suas próprias tradições e métodos, realizando na sociedade brasileira uma educação permanente do humano dentro do horizonte do senso religioso.  O que significa reafirmar que o bem, o belo, o justo, o verdadeiro, são inerentes à experiência humana e devem também guiar as ações no âmbito social e político.    
Além disso, há também a necessidade urgente de retomar o trabalho na área educacional: em lugar de correr atrás dos modelos escolares moldados por critérios empresariais, as escolas e as universidades gerenciadas por grupos, associações e congregações cristãs ou inspiradas por crenças religiosas, ou ideais humanistas devem efetivamente dedicar-se à educação das novas gerações, cuidando que os programas de ensino proporcionem aos jovens conteúdos reais de cultura e não ideologias. Pois, conforme indica Hannah Arendt, a ideologia, ao substituir o conhecimento da realidade por uma construção lógica preconcebida, destitui a pessoa de seu protagonismo na história retirando-lhe a espontaneidade, a liberdade de ação, a responsabilidade e inviabilizando o exercício do juízo para discernir o bem do mal. 
Só assim acreditamos que o Brasil poderá vencer a corrupção sistêmica (e a perigosa redução da ação política nestes termos), o fato de ser um dos países mais violentos do mundo (com cerca de 59 mil assassinatos por ano, mais do que muitos países em guerra, e responsável por cerca de um terço dos assassinatos no mundo) e a enorme desigualdade social. Se é verdade que a educação é o caminho para a renovação do país, é importante indicar que tipo de educação pensamos abrir real e plenamente o horizonte do humano, possibilitando mudanças concretas no nível da ação individual, social e política. Nesse sentido, o aprofundamento da experiência religiosa encarnada no tecido social brasileiro tem a dar uma contribuição imprescindível.

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