sábado, 26 de maio de 2018

A Doutrina Social da Igreja: o princípio da personalidade


Dando continuidade à série de postagens sobre a Doutrina Social da Igreja (DSI), mais especificamente sobre os quatro princípios sobre os quais ela se fundamenta, trataremos hoje do princípio da "personalidade". Como vimos insistindo desde a primeira (leia aqui e aqui), é importante, às vésperas das Eleições de 2018, municiarmo-nos de critérios precisos para uma escolha entre os candidatos que se apresentarem definitivamente para este pleito.
Antes de avançarmos na compreensão desse princípio, vale uma prévia explicação: quando falamos de "princípios" da DSI, é preciso que tenhamos claro que há os princípios "básicos" e aqueles de caráter "geral e fundamental", que são permanentes e universais. Assim, podemos elencar como princípios básicos: a dignidade da pessoa humana, o respeito à vida humana, os princípios da associação, da participação, da solidariedade, da subsidiariedade, do bem comum e da destinação universal dos dons. No entanto, entre esses, a Igreja reconhece no bem comum, na dignidade da pessoa humana, na subsidiariedade e na solidariedade aqueles princípios que devem presidir toda a vida social, por isso são considerados fundamentais. Para além desses princípios, a DSI também indica valores que devem guiar sua aplicação, são eles: a verdade, a liberdade e a justiça. Sem esses valores não é possível conceber adequadamente a aplicação da própria DSI.
Mas, tratando especificamente desses princípios fundamentais, Ramalhete (2017) afirma:
Eles são ditos princípios porque é a partir deles que podemos julgar uma situação para que possamos agir em relação a ela. Se uma solução parece boa mas viola um desses princípios, sabemos que ela na verdade não é boa. Ela tem um problema, uma imperfeição que causará mais tarde problemas mais graves que aqueles que ela está tentando solucionar [1]
Vejamos, então, com mais vagar como a DSI fala da pessoa humana e como define sua dignidade. Vale dizer, de partida, que todo o Capítulo III do Compêndio da Doutrina Social é dedicado a esse tema. E trata-se, aliás, de um capítulo que trata exclusivamente do tema, dando precedência a este princípio sobre os demais, que são todos abordados no capítulo seguinte. Já no início do capítulo, no item intitulado "Doutrina Social e Princípio Personalista", diz-se:
A Igreja vê no homem, em cada homem, a imagem do próprio Deus vivo; imagem que encontra e é chamada a encontrar sempre mais profundamente plena explicação de si no mistério de Cristo, Imagem perfeita de Deus, revelador de Deus ao homem e do homem a si mesmo. A este homem, que recebeu do próprio Deus uma incomparável e inalienável dignidade, a Igreja se volta e lhe rende o serviço mais alto e singular, chamando-o constantemente à sua altíssima vocação, para que dela seja cada vez mais consciente e digno [2].
O texto é claro ao afirmar que toda a doutrina social católica só se desenvolve adequadamente na medida em que esse princípio que afirma, em última instância, a dignidade da pessoa humana está na base. Essa dignidade, por sua vez, como se viu acima, está fundada na ideia de pessoa como "imago Dei". Com efeito, os vários textos que compõem a DSI fazem questão de sempre lembrar, por exemplo, o trecho de Gênesis no qual se afirma que "Deus criou o homem à Sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher" (Gen 1, 27). E é essa semelhança que ilumina a compreensão da essência e da existência da pessoa humana como "constitucionalmente relacionadas com Deus do modo mais profundo", conforme afirma o Catecismo da Igreja Católica.
Essa dignidade, vale lembrar, é da pessoa humana, não sendo, portanto, mais "digna" uma pessoa em comparação com outra. Inclusive:
O homem e a mulher têm a mesma dignidade e são de igual nível e valor, não só porque ambos, na sua diversidade, são imagem de Deus, mas ainda mais profundamente porque é imagem de Deus o dinamismo de reciprocidade que anima o nós do casal humano [3].
Falar desse princípio não é, com efeito, negar a dimensão do pecado - marca característica da pessoa. Assim como, porém, o pecado é universalmente disseminado em meio ao gênero humano, também a salvação é universalmente reconhecida como aspecto dessa mesma dignidade:
A doutrina da universalidade do pecado, todavia, não deve ser desligada da consciência da universalidade da salvação em Jesus Cristo. Se dela isolada, gera uma falsa angústia do pecado e uma consideração pessimista do mundo e da vida, que induz a desprezar as realizações culturais e civis dos homens. O realismo cristão vê os abismos do pecado, mas na luz da esperança, maior do que todo e qualquer mal, dada pelo ato redentor de Cristo que destruiu o pecado e a morte [4].
Na sequência dessa introdução ao capítulo que trata do princípio da personalidade, o Pontíficio Conselho "Justiça e Paz?" trata das diferentes dimensões da pessoa humana e explana a respeito de cada uma delas: a dimensão da "unidade" da pessoa, que olha para o fato de haver entre corpo e alma uma unidade; a dimensão de abertura à transcendência; a dimensão da unicidade da pessoa, que considera o fato de cada pessoa ser única e irrepetível; a dimensão da liberdade; a dimensão da igualdade em dignidade; e a dimensão da sociabilidade [5].
Finalmente, em sua última parte, o capítulo se dedica ao tema dos "direitos humanos":
O movimento rumo à identificação e à proclamação dos direitos do homem é um dos mais relevantes esforços para responder de modo eficaz às exigências imprescindíveis da dignidade humana. A Igreja entrevê em tais direitos a extraordinária ocasião que o nosso tempo oferece para que, mediante o seu afirmar-se, a dignidade humana seja mais eficazmente reconhecida e promovida universalmente como característica impressa pelo Deus Criador na Sua criatura. O Magistério da Igreja não deixou de apreciar positivamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pelas Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948, que João Paulo II definiu como 'uma pedra miliária no caminho do progresso moral da humanidade' [6]. A raiz dos direitos do homem, com efeito, há de ser buscada na dignidade que pertence a cada ser humano. Tal dignidade, conatural à vida humana e igual em cada pessoa, se apreende antes de tudo com a razão. O fundamento natural dos direitos se mostra ainda mais sólido se, à luz sobrenatural, se considerar que a dignidade humana, doada por Deus e depois profundamente ferida pelo pecado, foi assumida e redimida por Jesus Cristo mediante a Sua encarnação, morte e ressurreição. A fonte última dos direitos humanos não se situa na mera vontade dos seres humanos, na realidade do Estado, nos poderes públicos, mas no mesmo homem e em Deus seu Criador. Tais direitos são 'universais, invioláveis e inalienáveis'. Universais, porque estão presentes em todos os seres humanos, sem exceção alguma de tempo, de lugar e de sujeitos. Invioláveis, enquanto 'inerentes à pessoa humana e à sua dignidade' [7] e porque 'seria vão proclamar os direitos, se simultaneamente não se envidassem todos os esforços a fim de que seja devidamente assegurado o seu respeito por parte de todos, em toda a parte e em relação a quem quer que seja' [8]. Inalienáveis, enquanto 'ninguém pode legitimamente privar destes direitos um seu semelhante, seja ele quem for, porque isso significaria violentar a sua natureza' [9].[10]
Com isso, fica claro que com a consideração de mais esse princípio somos capazes de identificar, com maior segurança, o norte no caminho que, como cristãos, e cristãos católicos, deveremos seguir no momento de escolher aqueles candidatos que, pelos próximos 4 anos, além de legislar, estarão ocupando os mais altos cargos do Executivo do país.

Notas:
[1] RAMALHETE, Carlos. Doutrina Social da Igreja: uma introdução. São Paulo: Quadrante, 2017, pp. 97-98.
[2] PONTIFÍCIO CONSELHO "JUSTIÇA E PAZ". Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Vaticano, 2 de abril de 2004, § 105. Disponível em: <https://goo.gl/5dVfwD>. Acesso em 12 mar 2018.
[3] PONTIFÍCIO CONSELHO "JUSTIÇA E PAZ". Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Vaticano, 2 de abril de 2004, §§ 120-121. Disponível em: <https://goo.gl/5dVfwD>. Acesso em 12 mar 2018.
[4] PONTIFÍCIO CONSELHO "JUSTIÇA E PAZ". Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Vaticano, 2 de abril de 2004, § 111. Disponível em: <https://goo.gl/5dVfwD>. Acesso em 12 mar 2018.
[5] PONTIFÍCIO CONSELHO "JUSTIÇA E PAZ". Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Vaticano, 2 de abril de 2004, §§ 127-151. Disponível em: <https://goo.gl/5dVfwD>. Acesso em 12 mar 2018.
[6] JOÃO PAULO II. Discurso à Assembléia Geral das Nações Unidas (2 de Outubro de 1979), 7.
[7] JOÃO PAULO II. Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz 1999, 3: AAS 91 (1999) 379.
[8] PAULO VI. Mensagem à Conferência Internacional sobre os Direitos do Homem (15 de Abril de 1968): AAS 60 (1968) 285.
[9] JOÃO PAULO II. Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz 1999, 3: AAS 91 (1999) 379.
[10] PONTIFÍCIO CONSELHO "JUSTIÇA E PAZ". Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Vaticano, 2 de abril de 2004, §§ 152-153. Disponível em: <https://goo.gl/5dVfwD>. Acesso em 12 mar 2018.

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