segunda-feira, 19 de março de 2018

O que é o diálogo, segundo Ratzinger e Giussani

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Publicamos a tradução de texto publicado no jornal Tempi [1], no último dia 17 de março de 2018. “Para Giussani, a identidade não é o produto do diálogo, mas é seu pressuposto e, assim, a verdade não é o produto da discussão, mas a precede e não deve ser criada nessa, mas encontrada”


Por Peppino Zola

Caro diretor, me aconteceu, casualmente, de reler o prefácio do então Cardeal Joseph Ratzinger ao primeiro volume da história de “Comunhão e Libertação” escrita por Dom Massimo Camisasca e publicada pela Edições San Paolo em 2001 [2].
Nessa obra, o futuro Papa sublinha alguns aspectos da posição e das propostas do Servo de Deus Padre Giussani, remarcando, com satisfação, a originalidade do fundador de CL, em particular sobre o tema da “ontologia” (a grande esquecida de grande parte do mundo católico do pós-guerra, todo preocupado com a “organização”) e do “diálogo”. Sobre este último ponto, Ratzinger traz à tona alguns conceitos que me parece oportuno chamar a atenção para eles, ainda que seja apenas para esclarecer um aspecto importante da vida cristã, sobre a qual, segundo penso, hoje, haja muitos equívocos.
Ao considerar importante a ideia de diálogo elaborada por Padre Giussani, o Cardeal Ratzinger escrever: “Para Bobbio e Calogero, a verdade é o fruto de uma dialética de posições; a identidade nasce do diálogo: uma concepção que remete à ideia da sociedade aberta de Popper, na qual o consenso se desenvolve sem um fundamento que venha antes, através de um jogo de conjecturas e refutações. Para Giussani, pelo contrário, a identidade não é produto do diálogo, mas é seu pressuposto e, assim, a verdade não é produto da discussão, mas a precede e não deve ser criada nela, mas encontrada”. Ratzinger se referia, particularmente, ao que foi escrito por Camisasca a propósito do “raio”, às páginas 109-116 do livro citado.
O que foi escrito pelo Cardeal Ratzinger encontra perfeita confirmação naquilo que foi escrito por Padre Giussani no livrinho “Apontamentos de método cristão” (o livrinho marrom), de 1964 e, agora, parte do volume O caminho para a verdade é uma experiência, editado em língua portuguesa pela Editora Companhia Ilimitada, em 2006. As páginas 224-227 são dedicadas justamente ao tema do diálogo e, ali, se lê que, para o cristão, “o diálogo é o instrumento da missão (p. 224). Além do mais, Padre Giussani escreve também:
A abertura sem limite, que é própria do diálogo como fator evolutivo da pessoa e criador de uma sociedade nova, tem uma importantíssima necessidade: nunca é verdadeira diálogo senão na medida em que eu carrego a consciência de mim mesmo. Ou seja, é diálogo se for vivido como comparação entre a proposta do outro e a consciência da proposta que eu represento, que sou eu: não é diálogo a não ser na medida da minha maturidade na consciência de mim. Por isso, se a ‘crise’, no sentido de empenho para peneirar a própria tradição, não precede logicamente o diálogo com o outro, naquela medida eu permaneço bloqueado pela influência do outro, ou então o outro que eu rejeito provoca um enrijecimento irracional na minha posição. Portanto, é verdade que o diálogo implica uma abertura para com o outro, seja ele quem for [...], mas o diálogo implica também uma maturidade de mim, uma consciência crítica daquilo que sou.
Sem que isto seja levado em consideração, surge um grande perigo:
confundir o diálogo com o comprometimento. Partir daquilo que se tem em comum com o outro, de fato, não significa necessariamente dizer a mesma coisa, ainda que usando as mesmas palavras: a justiça do outro não é a justiça do cristão, a liberdade do outro não é a liberdade do cristão, a educação na concepção do outro não é a educação da forma como a Igreja concebe. Existe, para usar uma palavra da filosofia escolástica, uma ‘forma’ diferente nas palavras que usamos, ou seja, uma forma diferente no nosso modo de perceber, de sentir, de enfrentar as coisas[3].
Ou seja, parece-me que o problema da identidade venha necessariamente “antes” do problema do diálogo. Sem identidade forte, não teremos nada a dizer ao outro. Pelo contrário, correremos o perigo fatal de nos adequarmos ao outro. E como nos adverte o Evangelho os filhos das trevas são mais fortes e mais espertos do que os filhos da luz.

Notas
[*] Foto retirada daqui.
[1] ZOLA, Peppino. Cos’è il dialogo secondo Ratzinger e Giussani. Tempi, 17 mar. 2018. Disponível em: <https://www.tempi.it/cose-il-dialogo-secondo-ratzinger-e-giussani#.WrBjhujwY2x>. Acesso em: 18 mar. 2018.
[2] Traduzido, sem revisão do autor, por Paulo R. A. Pacheco.
[3] GIUSSANI, Luigi. O caminho para a verdade é uma experiência. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2006, pp. 225-226.

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