sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Queridos irmãos brasileiros...


Estamos assistindo a uma intolerância nunca vista na nossa sociedade. No domingo a noite um mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, Moâ do Katende, foi assassinado em Salvador numa briga gerada pelo embate político acerca das escolhas eleitorais. Semanas atrás, um dos candidatos presidenciável foi esfaqueado em Juiz de Fora. As redes sociais cujo objetivo deveria ser o de facilitar a comunicação e o diálogo e, portanto, de serem instrumentos para a construção da vida política, tem se tornados meios para dar vazão a discursos e afetos raivosos. Tais contraposições chegam a causar rupturas inclusive no âmbito dos núcleos familiares e de amizade. Justamente num momento em que a sociedade civil é provocada para assumir um protagonismo maior diante de uma política quebrada, ela se demonstra incapaz de qualquer atitude política, pois a política é baseada no diálogo que pressupõe a polis, um lugar comum, um bem comum a cuidar. Isto é muito grave inclusive porque atinge também aquelas comunidades intermédias que deveriam estar em primeiro lugar na construção da polis, como as igrejas cristãs, inclusive a católica. 
Certamente pode-se identificar as causas desse fenômeno. A falta de lideranças efetivas e construtivas tem deixado um vácuo profundo ou têm sido substituídas por mitos. Nas comunidades, a falta de um trabalho educativo ao uso da razão e a sua aplicação na consideração dos interesses mais importantes na vida, e a política é um deles, tem aberto as portas para posicionamentos ideológicos e preconceituosos; ou para reações moldadas por uma afetividade instintiva e degradante. É preciso tomar consciência que, se quisermos efetivamente a democracia, estas atitudes são totalmente adversas a ela.  E perseverando nessas atitudes, seremos nós, os primeiros a destruí-la.
Queremos repropor à reflexão de todos o testemunho de um homem autentico, padre Christian de Chergé. Ele pode nos ensinar o que efetivamente significa estar presente dentro da realidade sem fugir aos seus desafios, e como se relacionar com quem tem ideias, valores e posições muito diferentes dos nossos, chegando até a ser nosso inimigo e a ameaçar a nossa vida. A resposta não é revidar, mas amar. Mas isto é possível somente na medida em que tenhamos um horizonte grande na vida, a certeza vitoriosa de Cristo, Senhor da história. Contra toda violência e intolerância que brotam do medo, da insegurança do desespero, precisamos abris as janelas de nossas almas para o vento do Espírito que sempre constrói a novidade do mundo e da história.  

Testamento espiritual do padre Christian de Chergé
aberto no Domingo de Pentecostes em 1996

Na noite entre 26 e 27 de Março de 1996, sete dos nove monges trapistas que formavam a comunidade de Tibhirine, mosteiro fundado em 1938 perto da cidade de Medea, 90 km ao sul de Argel, foram sequestrados por um grupo de terroristas. Em 21 de maio do mesmo ano, após negociações inúteis, o chamado "Grupo Islâmico Armado" anunciou seu assassinato. Em 30 de maio, suas cabeças foram encontradas, os corpos nunca foram encontrados.
Irmão Christian de Chergé era prior da Comunidade, 59 anos, monge desde 1969, na Argélia desde 1971. Forte personalidade humana e espiritual do grupo, filho de general, conheceu a Argélia durante três anos de sua infância e vinte e sete meses de serviço militar na guerra da independência. Depois de estudar no seminário carmelita de Paris, tornou-se capelão do Sacré Coeur de Montmartre, em Paris. Mas ele logo entrou no mosteiro de Aiguebelle para chegar a Tibhirine em 1971. Ele tinha um profundo conhecimento do Islã e uma capacidade extraordinária de expressar a vida e a construção da comunidade.

Quando se perfila um a-Deus

Se acontecer comigo um dia (e poderia até ser hoje) de ser uma vítima do terrorismo que parece querer atingir todos os estrangeiros que vivem na Argélia agora, gostaria que minha comunidade, minha Igreja, minha família lembrassem que minha vida era doada a Deus e a este país.  Gostaria que eles aceitassem que o único Senhor de toda vida não poderia ser estranho a esta partida brutal. Gostaria que eles orassem por mim: como eu poderia ser achado digno dessa oferta? Que eles soubessem associar esta morte com tantas outras igualmente violentas, deixadas na indiferença do anonimato.
Minha vida não tem mais valor do que outra. Nem menos. Em qualquer caso, ele não tem a inocência da infância. Eu vivi o suficiente para saber que sou cúmplice do mal que parece, infelizmente, prevalecer no mundo, e também daquele mal que poderia me atingir cegamente.
Quando chegasse a hora, eu gostaria de ter aquele momento de lucidez que me permitiria solicitar o perdão de Deus e dos meus irmãos na humanidade e, ao mesmo tempo, perdoar de todo o coração que me atingira.
Eu não poderia desejar por tal morte. Parece importante para mim declará-lo. Na verdade, não vejo como eu poderia me alegrar com o fato de que um povo que eu amo seja indiscriminadamente acusado de meu assassinato.
Seria um preço muito caro, pelo que, talvez, eles chamariam de "graça do martírio", o dever de um argelino ser quem ele é, especialmente se ele diz que age em fidelidade ao que ele acredita ser o Islã.
Conheço o desprezo com que chegamos a considerar os argelinos de modo geral. Eu também conheço as caricaturas do Islã que certo islamismo encoraja. É muito fácil livrar-se da consciência identificando esse caminho religioso com os extremismos de seus extremistas.
A Argélia e o Islã, para mim, são outra coisa; são um corpo e uma alma. Tenho proclamado isso com bastante frequência, creio eu, com base no que tenho recebido, encontrando ali tantas vezes aquele fio condutor do Evangelho aprendido no colo de minha mãe, a minha primeira Igreja, precisamente na Argélia, e desde então no respeito dos crentes muçulmanos .
Evidentemente, minha morte parecerá dar razão àqueles que me trataram superficialmente como um ingênuo ou idealista: "Diga-me o que você pensa agora!" Mas eles devem saber que minha curiosidade mais excruciante finalmente será liberada. Eis que poderei, se Deus quiser, imergir meu olhar naquele do Pai, para contemplar com Ele seus filhos do Islã como Ele os vê, todos brilhando com a glória de Cristo, fruto da sua paixão, o Dom do Espírito , cuja alegria secreta será sempre estabelecer a comunhão e restaurar a semelhança, brincando com as diferenças.
Desta vida perdida, totalmente minha e totalmente deles, eu agradeço a Deus que parece ter desejado tudo para essa alegria, através e apesar de tudo.
Neste obrigado, em que tudo é dito, até agora, da minha vida, eu certamente incluo vocês, amigos de ontem e de hoje, e vocês, amigos daqui, ao lado de minha mãe e meu pai, minhas irmãs e meus irmãos, cêntuplo que me foi concedido como prometido!
E você também, amigo de última hora, que certamente não sabia o que estava fazendo. Sim, eu quero este agradecimento também para você, para este a-Deus perfilado através de você. E que nos seja dado para nos reencontrar, ladrões abençoados, no céu, se Deus quiser, Pai nosso, de ambos. Amém! Insc'Allah

Argel, 1 de dezembro de 1993
Tibhirine, 1 de janeiro de 1994

Cristão †

Um comentário:

  1. Respeito muito esta página bem como suas ideia, por isso me movo a criticar positivamente este texto, uma vez que o mesmo se deixa levar por uma inverdade quanto ao caso do capoeirista e seu algoz. Em pesquisa fácil pelo site youTube pode se ver um depoimento do próprio algoz relatando que o motivo ocasionador da ira que o fez cometer a estupidez não foi política, mas sim um desentendimento pessoal movido a ofensas e o mesmo deixa claro que não houve nenhuma conotação política, por tanto deve-se apurar os fatos para não sermos levados a erros gerenciados por "fake news".

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